O debate «Democracia e Soberania», inserido nas comemorações do centenário da Revolução de Outubro, realizou-se nas instalações da Junta de Freguesia de Miragaia, no Porto.
Os oradores principais foram Manuel Rodrigues, director do Avante! e membro da Comissão Política, Jorge Sarabando, da direcção do Sector Intelectual e da Organização Regional do Porto do PCP, e o juiz jubilado Guilherme da Fonseca.
Analisando o que a Revolução de Outubro representou para a liberdade, a democracia e a soberania, Jorge Sarabando lembrou os dois primeiros decretos do governo revolucionário, aprovados no próprio dia da tomada do poder: o Decreto da Paz e o Decreto da Terra. O primeiro determinou o início das conversações que viriam a culminar na assinatura do Tratado de Brest-Litovsk, com a Alemanha e a Áustria, acabando com o estado de guerra com estes países, enquanto o segundo decidiu a expropriação dos latifúndios, que representavam qualquer coisa como 150 milhões de hectares. Decretos subsequentes consagraram a nacionalização das riquezas do sub-solo, das florestas e da água, bem como dos bancos, do comércio exterior, das ferrovias, da marinha mercante e das grandes indústrias.
Jorge Sarabando sublinhou a resistência interna e externa que tais medidas suscitaram, lembrando a guerra civil e invasão estrangeira da Rússia Soviética. A contra-revolução foi derrotada e os invasores expulsos, mas uns e outros «deixaram um caudal de sofrimento, morte e destruições» no país, que no início dos anos 20 apresentava índices de produção agrícola e industrial muito inferiores aos níveis de antes da Revolução.
A recuperação da economia foi impressionante, realçou o dirigente regional do PCP: «nos campos foi decisiva a formação de sovkozes bem como de kolkhozes, que eram cooperativas de produção, e a eliminação dos kulakes como classe; na indústria foi determinante a sua nacionalização.» Em 1936, a indústria «mais que sextuplicara a produção, e a agricultura, já mecanizada, tinha aumentado largamente a produção e supria a procura interna».
Perigos e potencialidades
Guilherme da Fonseca, por seu lado, reflectiu sobre a liberdade, a democracia e a soberania no mundo de hoje, no qual o capitalismo transnacional «dita as regras do mundo». Referindo-se ao «verdadeiro turbilhão» que caracteriza a situação internacional actual, o antigo juiz denunciou as políticas armamentistas e belicistas actualmente em desenvolvimento, visíveis nas agressões militares em curso na Síria, no Afeganistão ou no Iraque, bem como nas ameaças à República Popular Democrática da Coreia, ao Irão e à Venezuela.
Sendo expressão particularmente brutal da natureza do imperialismo, a guerra não esgota a política actual do capitalismo, acrescentou Guilherme da Fonseca: as opções securitárias que, a pretexto do terrorismo, são levadas à prática; as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias, com incidência especial no direito de circulação de pessoas atingidas pelo controlo e encerramento de fronteiras; o ataque aos direitos dos trabalhadores; e a perda de soberania são outros aspectos essenciais.
Sobre esta última questão, o juiz jubilado denunciou a submissão ao cunho das instituições federalistas da União Europeia da política orçamental dos estados-membros e a chamada «União Bancária». Resgatar a soberania é um imperativo do nosso tempo, garantiu, essencial para resgatar a liberdade e a democracia.
O projecto do PCP
Manuel Rodrigues, por seu lado, pôs a tónica no projecto do PCP, de democracia avançada e socialismo para Portugal, realçando as provas de dedicação, coragem e heroísmo dadas por gerações de militantes comunistas pela «liberdade, a democracia, o progresso social, a cultura, a paz, a independência e soberania nacionais, e de solidariedade com a causa da emancipação social e política dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo».
Estes valores, «que estiveram presentes na sua acção táctica e estratégica, nos seus princípios e práticas, nas suas bases programáticas ao longo do tempo», integram o actual Programa do PCP, «Uma Democracia Avançada – Os Valores de Abril no Futuro de Portugal». Esta democracia, lembrou o director do Avante!, «não se esgota no plano formal», antes se consubstancia em quatro vertentes fundamentais – política, económica, social e cultural –, só realizável «num contexto de independência e soberania nacionais». Citando Álvaro Cunhal, o membro da Comissão Política realçou que a «luta quotidiana, os objectivos imediatos, as ideias programáticas a curto e médio prazo, o projecto de uma sociedade socialista para nós, comunistas portugueses, tiveram sempre a democracia como elemento fundamental».
Todos estes aspectos foram abordados e desenvolvidos nas intervenções do público e nas respostas dos oradores principais.