A ciência soviética deu uma «contribuição assinalável para o progresso científico e técnico da Humanidade», não havendo praticamente nenhum domínio em que não se façam sentir, ainda hoje, a «importância, o interesse e o impacto do extraordinário progresso científico-tecnológico soviético». Estas palavras, escutadas pelas cerca de 70 pessoas que encheram por completo a sala nobre do Club Farense, foram proferidas pelo deputado Paulo Sá, professor universitário licenciado na União Soviética.
A sua intervenção ajudou a compreender como foi possível à União Soviética passar em poucas décadas de um país atrasado a uma «grande potência industrial, com um espantoso desenvolvimento científico e tecnológico e um extraordinário progresso cultural», pioneira da conquista do espaço.
Relativamente ao atraso da Rússia em 1917, Paulo Sá partilhou dados reveladores: aquando da Revolução, a Rússia era um país essencialmente agrícola, com uma indústria incipiente e rudimentar; o analfabetismo atingia 75 por cento da população total do país, subindo em algumas regiões para valores acima dos 99 por cento; alguns povos e etnias nem tinham alfabeto próprio; e quatro quintos das crianças e adolescentes não frequentavam a escola.
O «segredo» para tão impetuoso avanço está na natureza do sistema instituído com a Revolução, garantiu Paulo Sá, lembrando as palavras de Lénine, para quem «o socialismo e a ciência são indivisíveis». Na verdade, acrescentou, só o socialismo permite – como permitiu – «utilizar as aquisições da ciência no interesse do povo e a realização plena das capacidades criadoras e do aproveitamento dos talentos que cada povo possui em abundância».
Desenvolvimento impetuoso
Ao nível das opções políticas que sustentaram o desenvolvimento científico e técnico soviéticos, Paulo Sá lembrou que desde a Revolução o Partido Comunista e o governo «apoiaram constantemente o desenvolvimento das ciências» e que a profissão de cientista era das mais valorizadas. Os cientistas soviéticos, lembrou ainda, tinham ao seu dispor institutos e laboratórios bem equipados, a investigação científica era financiada pelo Estado e a ciência desenvolveu-se segundo um plano único de Estado.
Estes foram os alicerces que permitiram o incremento da investigação nos sectores fundamentais do conhecimento e o desenvolvimento da matemática, da mecânica, da física, da química, da biologia e das ciências da terra, bem como das ciências sociais, nomeadamente a filosofia, a história ou as ciências económicas. Todos estes avanços constituíram uma «condição capital do progresso científico e técnico» e tiveram uma importância decisiva no desenvolvimento da nova sociedade, sublinhou o deputado do PCP eleito pelo Algarve.
A já referida ligação próxima entre o socialismo e a ciência, defendida e praticada por Lénine, concretizou-se no processo revolucionário soviético: os cientistas foram participantes activos na elaboração e realização dos planos quinquenais; ajudaram a criar os principais sectores da indústria moderna e a realizar o plano leninista da revolução cultural, que consistiu na eliminação do analfabetismo; contribuíram para formar quadros altamente qualificados em todos os sectores da economia e para desenvolver a investigação nas repúblicas federadas. «O desenvolvimento da ciência soviética estimulou o progresso técnico, económico e social, o desenvolvimento da cultura e do bem-estar para o povo», acrescentou Paulo Sá.
A outra face da moeda
A evolução tecnológica é inevitável e não é possível nem sequer desejável travá-la. Esta opinião foi expressa pelo investigador Frederico de Carvalho no debate de Faro, não sem uma importante ressalva: «é possível e absolutamente vital saber de que forma são aplicados os conhecimentos novos e como podemos influir sobre essa aplicação.»
Ora, notou o também membro da Associação dos Trabalhadores Científicos, no capitalismo desenvolvido, onde as «corporações sem pátria, dominadas pelo grande capital privado que persegue obstinadamente o lucro, a ciência é refém dos seus interesses dominantes». Assim o são, também, os próprios cientistas.
Os exemplos são vastos e reveladores. Nos Estados Unidos, por exemplo, os investigadores que trabalham no sector empresarial privado ou em instituições públicas geridas pelo Estado, tantas vezes ao serviço desses mesmos grupos privados (nas áreas do armamento e da informação, mas não só), vêem condicionadas de diversas formas as suas liberdades fundamentais. Os casos de Edward Snowden, Julian Assange e Chelsea Manning são os mais conhecidos, mas não os únicos.
Frederico de Carvalho referiu-se ainda às práticas lesivas da saúde e do ambiente levadas a cabo por muitas destas grandes empresas «tecnológicas»: a Monsanto, adquirida no ano passado pela Bayer, produz sementes transgénicas que conduziram à ruína de milhões de agricultores no mundo inteiro e foi responsável pela produção do «agente laranja», utilizado pelos EUA no Vietname e cujas consequências na saúde da população do país asiático se sentem ainda hoje.
Perante tal quadro, o investigador português apelou à luta por transformações sociais e pela paz, para que a ciência seja colocada ao serviço do progresso e não do lucro. A educação, a saúde, as infra-estruturas, a energia e as comunicações são áreas decisivas em que aplicar os avanços científicos e técnicos.
Uma política científica e tecnológica para desenvolver Portugal
O Programa do PCP, também no que respeita ao projecto educativo e ao desenvolvimento científico, contém marcas do pensamento e da acção de Lénine e dos comunistas soviéticos, realçou no debate o membro da Comissão Política Jorge Pires. Apesar das evidentes diferenças entre a situação actual em Portugal e a Rússia de 1917, questões como o combate ao analfabetismo, a valorização da instrução pública, a ligação entre a educação e as condições materiais da sociedade, a importância dos conteúdos das aprendizagens, a batalha pela escola laica e a gratuitidade do ensino colocaram-se então e colocam-se hoje com manifesta premência.
Na democracia avançada que o PCP defende como etapa actual da sua luta pelo socialismo, o desenvolvimento das forças produtivas e o aumento da produção são matérias centrais. A política tecnológica que o Programa consagra tem como objectivos fundamentais, acrescentou Jorge Pires, a «valorização dos recursos nacionais, o aumento quantitativo e qualitativo da produção, o aumento da produtividade do trabalho, a poupança de energia e matérias-primas, a defesa e preservação do meio ambiente, a elevação da cultura científica».
No processo de construção desta democracia avançada, precisou o dirigente comunista, a ciência, a tecnologia e a inovação são «componentes fundamentais do desenvolvimento cultural e económico», que deverá ser assimilado na economia, constituir um «objecto de ensino e tornado cultura, difundido como conhecimento das massas».
Esta proposta de transformação política, garantiu o dirigente do PCP, é em sentido totalmente oposto àquela que tem sido a política de sucessivos governos, apostada na «privatização» da ciência e da tecnologia. Acontece, porém, que o capital privado «só muito escassamente financia ou executa investigação, desenvolvimento e inovação» e quando o faz é sempre no seu único e exclusivo interesse.