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Revolução de Outubro inspira a luta pela democracia cultural

A Revolução de Outubro como grande empreendimento cultural e a perspectiva do PCP para este importante sector estiveram em debate no dia 16 em Lisboa, em mais uma iniciativa inserida nas comemorações do centenário.

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Revolução de Outubro inspira a luta pela democracia cultural

Os membros da Comissão Política Manuel Rodrigues e Jorge Pires e a deputada Ana Mesquita compunham o painel de oradores da sessão que decorreu no auditório da Escola Secundária de Camões, em Lisboa, sob o lema «Livre Criação e Fruição da Cultura». Este foi o último de oito debates centrais promovidos pelo PCP em diversos pontos do País sobre diferentes vertentes da Revolução de Outubro com inegável expressão na actualidade.

No caso da cultura, assumida em todas as suas dimensões, a Revolução de Outubro representou uma verdadeira «revolução cultural», como sublinhou na sua intervenção o director do Avante!, Manuel Rodrigues, recorrendo a uma caracterização do próprio Lénine: «Antes, todo o espírito humano, todo o génio do homem só criava para dar a uns todos os bens da técnica e da cultura e privar outros do indispensável: da instrução e do progresso. Hoje, todas as maravilhas da técnica, todas as conquistas da cultura, tornar-se-ão património de todo o povo e, a partir de agora, a inteligência e o génio humano não mais se converterão em instrumentos de violência, em meios de exploração.»

A revolução cultural que Outubro desencadeou visava, em termos de finalidade histórica, transformar a cultura de «instrumento do capitalismo em instrumento do socialismo», ou seja, em património de todo o povo, para que este se pudesse efectivamente transformar em construtor do seu próprio devir. O fomento da instrução elementar e da alfabetização foi o primeiro de muitos grandiosos passos dados pela revolução dos sovietes.

Se em 1917, 75 por cento da população era analfabeta, aproximando-se esta taxa dos 100 por cento em muitas regiões do vasto império russo, já em 1938, 90 por cento da população sabia ler e escrever, e pouco depois toda a população estaria alfabetizada, tendo a União Soviética sido o primeiro país do mundo a conseguir tal feito; 40 nacionalidades viram as suas línguas reconhecidas e as suas escritas próprias consagradas e fixadas. Estes avanços, embora profundamente significativos e indicativos de um rumo democrático e progressista, são apenas alguns de muitos. 

Combater a cultura dominante

Estas realizações, indissociáveis da organização socialista da sociedade, contrastam com a situação actual, no País como em grande parte do mundo, em tempos de violenta ofensiva do imperialismo que também se expressa no campo cultural. Como realçou Ana Mesquita, está hoje em curso um processo de «massificação da cultura, ligada à globalização capitalista, à maximização do mercado e à livre circulação de bens, em que a cultura deixa de ter valor próprio e passa a estar situada no contexto do chamado consumo de bens culturais».

Rejeitando que a actual situação represente qualquer tipo de «liberdade», a deputada comunista garantiu que o «neoliberalismo não quer a emancipação individual e colectiva da humanidade, ao contrário da perspectiva libertadora da Revolução russa». Liberdade, acrescentou, implica «uma série de outras coisas que extravasam o campo específico da cultura», como salários dignos, horários regulados, tempo para o lazer e um verdadeiro acesso a toda a cultura.

Daí a importância decisiva das propostas do PCP de valorização do trabalho e dos trabalhadores e de melhoria das condições de acesso à criação e fruição da cultura, algumas com consagração orçamental: entre estas últimas, sobressaem o alargamento da gratuitidade de entrada nos museus e monumentos nacionais, a baixa do IVA nos instrumentos musicais, o regresso das bolsas de criação literária e o reforço da verba para os apoios públicos às artes.

A importância da democracia cultural

Jorge Pires, que na Comissão Política responde, entre outras, pelas áreas da Educação e da Cultura, abordou fundamentalmente a perspectiva apontada pelo PCP para o desenvolvimento cultural no quadro da democracia avançada e do socialismo em Portugal. Como é evidente, a Revolução de Outubro é uma rica fonte de ensinamentos e experiência.

O dirigente comunista começou a sua intervenção precisamente por aí, questionando-se acerca do que levou a Rússia atrasada de 1917 a transformar-se, em poucas décadas, «numa potência económica, criando desta forma as bases materiais para um desenvolvimento social invejável». A resposta, realçou, está numa «estratégia que apostou forte na educação, na ciência e o desenvolvimento científico e na democratização da cultura». Precisamente o que o PCP se propõe fazer para desenvolver o País e inverter a situação actual, marcada ainda por um elevado grau de iliteracia e analfabetismo e por uma política cultural que sobrepõe o consumismo à reflexão crítica eà criatividade.

A democracia cultural que o PCP defende, expressa no seu Programa, é assumida como um factor de democracia política, pelo que pressupõe de elevação da formação e vida cultural das populações; de democracia económica, pelo que representa de qualificação da principal força produtiva, o trabalho humano; e de democracia social, ao constituir um vector de intervenção crescente na vida da sociedade por parte dos trabalhadores e das classes e grupos sociais mais interessados na democracia. É ainda promotora da soberania, ao contribuir para formar a identidade nacional, aberta à interacção com a cultura mundial.
 

Avanços notáveis, exemplo que permanece 

No debate surgiram exemplos e dados que ilustram a impressionante revolução cultural protagonizada na União Soviética, com índices que ainda hoje não temem comparações com qualquer outro país. Para além de ter sido o primeiro país a atingir a alfabetização total da sua população, a pátria dos sovietes criou o primeiro sistema educativo totalmente público e gratuito, o que desde logo contrasta com os EUA, nos quais um estudante contrai uma dívida média de 80 mil dólares durante a licenciatura. Face a este impressionante investimento no ensino, um em cada três trabalhadores era qualificado e a URSS possuía o melhor sistema de formação profissional e especializada do mundo.

No campo da ciência, a União Soviética possuía em 1989 cinco milhões de cientistas, um quarto do total mundial. Nessa década, havia cinco mil institutos científicos no país, inclusivamente em regiões, como o Tadjiquistão ou a Turqueménia, onde durante o czarismo o analfabetismo era quase total. Nos anos 80, a URSS era responsável por 20 a 25 por cento do fundo mundial de novas soluções e projectos técnicos.

Para além dos fabulosos feitos alcançados na exploração do Cosmos, a ciência soviética realizou o primeiro transplante de córnea bem sucedido, a primeira operação cardíaca com anestesia local, num país que tinha a maior taxa de médicos por habitante. Se se tiver presente que antes da Revolução a primeira causa de morte da mulher era o parto tem-se uma maior percepção dos avanços protagonizados.

Ainda no campo científico-técnico, a União Soviética criou os primeiros robots, o primeiro navio quebra-gelo movido a energia nuclear, o primeiro computador pessoal, o LED e esteve à cabeça no desenvolvimento de foguetões, da técnica nuclear, das plataformas orbitais e dos sistemas de irrigação.

Em sentido lato, a cultura conheceu na União Soviética um impressionante desenvolvimento e uma democratização sem precedentes, tanto ao nível da criação como da fruição: nos anos 70 do século XX, havia nesse vasto país 134 mil clubes e casas de cultura, 1444 museus, 39 grandes estúdios de cinema, 360 mil bibliotecas com três mil milhões de livros e jornais, 553 teatros dramáticos e musicais (em 42 línguas), sete mil escolas de música e arte, 200 editoras centrais e locais, responsáveis pela edição de 14 mil exemplares por minuto – o que fazia da URSS o maior editor do mundo. Em nenhum outro país se realizavam tantos concertos.

Graças a esta política cultural sem paralelo, a União Soviética tornou-se de longe no país do mundo onde se lia mais livros e publicações periódicas. Além disso, eram soviéticos um livro, um médico, um cientista e um estudante em cada quatro no mundo inteiro.