1. A Revolução de Outubro (RdO) e o mundo de hoje
Ligação histórica (1917 e 1867): RdO e publicação do 1º volume do Capital.
RdO: mostrou que capitalismo não era fatalidade; procurou resolver problemas como: a paz, num mundo então em guerra; o acesso à terra pelos camponeses; o controlo operário da produção; a melhoria das condições de vida e de trabalho.
O mundo é hoje diferente mas permanecem muitos problemas que a RdO procurou resolver.
Darei exemplos escolhidos por estarem directamente relacionados com o tema das desigualdades e das injustiças sociais:
- O primeiro é o de um Relatório da OIT sobre os salários no mundo, que mostra crescimento das desigualdades: diminuição da parte salarial na repartição do rendimento;
- O segundo é um relatório da Oxfam (ONG britânica): os 1% mais ricos têm tanta riqueza como os 99% restantes; 8 pessoas têm tanta riqueza como a parte mais pobre da humanidade;
- A mesma organização publicou mais recentemente um relatório mostrando a utilização dos paraísos fiscais (PF) por 20 grandes bancos europeus: 1 em cada 4 euros é ganho em PF. (exs de PF mais usados: Luxemburgo e Irlanda). Se os ricos, as grandes empresas e as multinacionais pagam menos impostos das duas uma: ou os impostos são pagos pelos outros, os que têm menos, ou haverá redução dos serviços públicos e das funções sociais do Estado.
O capitalismo não deixou de ser menos predador que no passado. (Centeno: “os mercados têm todos um aspecto predatório, numa certa dimensão”). Mas essa abordagem levaria a minha intervenção para outros caminhos.
2. Desigualdades e injustiças sociais: a situação portuguesa
Regressando pois ao tema das desigualdades e das injustiças sociais como se caracteriza a situação portuguesa e quais são as perspectivas de evolução no presente quadro político?
Portugal caracteriza-se por um dos países com mais desigualdades: a parte dos salários na distribuição do rendimento tem uma forte quebra desde 2009; elevado nº trabs com o salário mínimo; riqueza fortemente concentrada; a precariedade atinge mais de 1 em cada 5 trabalhadores e subiu no ano passado; pobreza é muito elevada (taxa de pobreza e de exclusão social foi de 25,1% em 2016, ainda que tenha diminuído: 27,5% em 2014).
Não podemos dizer que tudo resulta da troica e do governo anterior (como o governo gosta de fazer); a realidade é mais complexa: algumas das regressões que tiveram forte impacto no agravamento das desigualdades tiveram origem em governos socialistas (exs).
Estamos hoje porém num quadro político diferente. Há ou não melhorias a valorizar? A meu ver, há. Por exemplo, nas pensões. Podemos dizer que os aumentos são insuficientes, mas sem esta experiência governativa nós estaríamos a lutar contra um corte permanente nas pensões. Por exemplo, no salário mínimo. Podemos achar pouco os 557 euros, mas sem o presente quadro político teríamos aumentos da ordem da inflação e não de 5%. Outros exs?
Ninguém dirá que OE para 2017 é revolucionário (tenho mesmo dúvidas que seja de esquerda). Mas o OE contempla medidas que vão no sentido da igualdade e de maior justiça social; muitas das medidas de que falo só foram possíveis porque o partido as defendeu (abono de família, …). E portanto devemos valorizar.
3. Perspectivas
Fazê-lo não significa ignorar as limitações e as contradições da actual política. Exemplificarei com quatro domínios:
- O primeiro respeita à visão europeísta do governo e às contradições que dela resultam. O governo está obcecado com a redução do défice num contexto de baixo crescimento económico e de uma dívida pública colossal e impagável. Não vou desenvolver mas o resultado é este: com estas opções não há dinheiro nem para o investimento público nem para as políticas sociais (despesa com juros em 2017: 8.3 MM euros);
- O segundo respeita ao trabalho. Está claro que o governo não quer mexer no Código de Trabalho (o PM afirmou-o numa reunião da CIP), embora tenha compromissos políticos, por exemplo em matéria de redução da precariedade. O objectivo é, porém, claro no sentido de manter intacto ou quase o legado da troica, incluindo no direito de contratação colectiva;
- O terceiro respeita à segurança social. Alguns avanços (exs). Mas sem reforço do financiamento, por via diversificação das fontes, não se irá muito longe;
- O quarto é o da política fiscal. Existe um compromisso político no sentido de “aumentar a progressividade do IRS através do aumento do número de escalões” o que até agora não foi concretizado. A direita exige a estabilidade do quadro fiscal: isto significa procurar repor a prevista descida do IRC e deixar tudo na mesma quanto aos escalões no IRS.
Ora estes quatro aspectos (políticas sociais, trabalho, segurança social e progressividade fiscal) são nucleares, ainda que não exaustivos, para a redução das desigualdades e das injustiças sociais. Se nem tudo passa por aqui, o essencial passa. Mensagem final: sem pressão social poderá ficar tudo, ou quase tudo, na gaveta.