centenario | Debate “Economia ao serviço do Povo e do país”

Intervenção de Vasco Cardoso

membro da Comissão Política do Comité Central

«A actualidade do programa do PCP e a sua dimensão económica. A luta pelo socialismo»

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Intervenção de Vasco Cardoso

Camaradas

A luta por objectivos concretos e imediatos, pela ruptura com a política de direita e com os constrangimentos externos e por uma alternativa patriótica e de esquerda, inscrevem-se na luta pela democracia avançada, parte integrante e inseparável da luta pelo socialismo e o comunismo.

A situação do país com que estamos confrontados é inseparável da natureza do capitalismo e da actual crise, de décadas de política de direita, da integração capitalista na União Europeia.

Com a revolução de 25 de abril de 1974, o povo português libertou-se da ditadura fascista que o oprimiu durante décadas. Conquistou as liberdades democráticas, realizou profundas mudanças económicas, obteve grandes avanços sociais e culturais, possibilitou a independência de povos colonizados em África. Derrotou o capital monopolista, sustentáculo e beneficiário do regime deposto, em benefício da vasta maioria da população, abrindo um horizonte de esperança, de paz e cooperação com as outras nações, de progresso e de justiça social para o nosso país.

O processo contra-revolucionário e a política de direita nas décadas seguintes interromperam, e em muitos aspetos reverteram, as conquistas populares, o projecto de desenvolvimento e o esboço de políticas progressistas então consagradas na nova Constituição da República.

 

A privatização da banca nacionalizada alavancou as privatizações de outros setores. A degradação do aparelho produtivo fragilizou a economia, agravou os défices e endividou o país. A integração capitalista na União Europeia, especialmente a adesão ao euro, limitou a soberania e impôs um colete-de-forças ao desenvolvimento nacional. A ofensiva contra os direitos laborais e os salários, fizeram e fazem parte de uma projecto de uma política assente no contínuo agravamento da exploração.

 

Crise, perversão do regime democrático, definhamento económico, aumento da exploração, retrocesso social, empobrecimento cultural e degradação ambiental, acentuação do carácter periférico e dependente do País, são estes os traços que decorrem de um processo comandado pelo grande capital e pelas grandes potências, que ameaça seriamente a soberania e independência nacionais, que compromete o presente e o futuro do País e que urge ser interrompido e superado.

O processo de integração na União Europeia e o processo contra-revolucionário, interligados, conduziram o País a uma situação que apresenta características típicas do capitalismo monopolista de Estado, num quadro em que o Estado português é cada vez mais subalternizado, dominado e colonizado no âmbito da União Europeia, e em geral pelo imperialismo e as suas estruturas.

Sem prejuízo do valor e importante significado da derrota do governo PSD/CDS-PP e dos projectos mais imediatos do grande capital que a luta dos trabalhadores e das populações e a acção determinante do PCP tornou possível nas eleições de 4 de Outubro de 2015, a realidade do País evidencia cada vez mais a necessidade e urgência da ruptura com a política de direita. Ruptura com os interesses e domínio do capital monopolista e ruptura com a submissão à União Europeia e ao Euro que abra caminho a uma política alternativa, patriótica e de esquerda, que retome os valores de Abril e os afirme no futuro de Portugal.

Uma política patriótica e de esquerda que liberte o país da submissão ao euro, renegocie a dívida, recupere o controlo público da banca e dos restantes sectores estratégicos, aumente a produção nacional, valorize salários e os direitos dos trabalhadores, defenda os serviços públicos, tribute justamente o grande capital e assuma a defesa da soberania nacional, como parte integrante do desenvolvimento do país e melhoria das condições de vida do povo português

No momento presente, coloca-se não só a necessidade de não desperdiçar nenhuma possibilidade criada pela actual correlação de forças para defender, repor e conquistar direitos, mas também, a exigência de tornar cada vez mais clara e mais próxima a ruptura com a política de direita, a ruptura com as imposições do grande capital e das grandes potencias

A concretização de uma política alternativa para o nosso país, não se fará sem uma violenta confrontação de interesses. Sem uma aguda luta de classes entre aqueles que não só querem preservar como aprofundar os mecanismos de saque exploração e aqueles que deles se querem libertar, mas é esse o caminho, um caminho nada fácil, com que colectivamente estamos comprometidos e empenhados.

Camaradas

Como é sabido, os objectivos supremos do nosso Partido, partido da classe operária e de todos os trabalhadores, são o socialismo e o comunismo, são a edificação em Portugal de uma sociedade sem classes, autenticamente livre, de onde seja abolida a exploração e para sempre liquidadas as desigualdades e injustiças sociais e toda a espécie de perversões inerentes ao sistema capitalista. Este projecto, que é a principal razão de ser do PCP, está sempre presente no horizonte da acção revolucionária dos comunistas portugueses ao longo dos seus 96 anos de luta.

O Programa do PCP define a etapa actual da luta pelo socialismo em Portugal como uma democracia avançada que na continuidade histórica da Revolução de Abril consolida e desenvolve os seus valores, experiências e realizações.

O Programa não aponta o socialismo como objectivo imediato do Partido mas tal como já acontecia com o Programa da Revolução Democrática e Nacional cuja realização colocaria Portugal, como de facto colocou, no caminho do socialismo, não existe uma separação estanque entre a democracia avançada e o socialismo mas sim uma relação dialéctica, uma relação em que a conquista do poder pela classe operária e seus aliados, assumirá as formas que a relação de forças e o grau de resistência das classes dominantes determinarem.

O conteúdo da democracia avançada preconizada no Programa do Partido, é tudo menos um exercício especulativo ou cópia de qualquer outra experiência, pois radica na dinâmica da luta de classes em Portugal e no original processo revolucionário português. É necessário não esquecer que em Portugal teve lugar a primeira e única revolução popular na Europa do pós-guerra que, apesar de inacabada, transformou profundamente a realidade portuguesa. Ao contrário do que pretendem certas concepções dogmáticas, a democracia avançada nada tem a ver com uma qualquer democracia burguesa dominada pelos grandes grupos económicos e financeiros como a existente por essa Europa fora. Do ponto de vista de classe a sua natureza é anti-monopolista e anti-imperialista. Os seus objectivos correspondem aos interesses da classe operária e da esmagadora maioria do povo português.

O conteúdo desta democracia, que é simultaneamente política, económica, social e cultural num quadro da independência e soberania nacional, uma democracia que tem um carácter eminentemente popular e participativo e que assenta em revolucionárias transformações anti-capitalistas do sistema económico e social, mostra que muitos dos seus objectivos são já objectivos de uma sociedade socialista. Como temos dito, a bem conhecida tese marxista-leninista que considera a luta pela democracia e pelo socialismo inseparáveis, tem no Programa do PCP uma expressão criativa assente na concreta realidade portuguesa.

Vivemos na época histórica inaugurada pela Revolução de Outubro, a época da passagem do capitalismo ao socialismo.

É certo que apesar dos seus grandes êxitos e realizações, da sua extraordinária influência mundial, da demonstração da sua superioridade sobre o capitalismo, a URSS desapareceu e o socialismo sofreu trágicas derrotas no Leste da Europa. O caminho para a edificação da nova sociedade revelou-se mais complexo e acidentado do que o previsto. Isso porém não põe em causa o conteúdo fundamental da época actual, nem o papel desempenhado pela União Soviética e pelo sistema socialista mundial nos avanços libertadores do século passado, nem as grandes realizações do socialismo e os avanços de civilização que lhe estão associados e não põe em causa a superioridade do novo sistema social.

O capitalismo vive uma crise estrutural profunda, conforme já aqui foi desenvolvido pelo camarada Agostinho Lopes.

Acentua-se a sua natureza exploradora, opressora, predadora e agressiva, trazendo consigo o perigo de conflitos de trágicas proporções.

O capitalismo revelou uma elevada capacidade de resistência e de adaptação e, com o campo aberto pelas derrotas do socialismo, conseguiu recuperar posições perdidas e passar à ofensiva no plano mundial.

No entanto não só não resolveu as suas contradições, como tende a agudizá-las, a começar pela contradição entre o carácter social da produção e a apropriação privada dos meios de produção. O capitalismo é responsável por uma violenta contradição entre as imensas potencialidades de progresso social – libertadas pelo trabalho, acção e luta das massas humanas, e pela revolução científica e tecnológica – e a persistência e o agravamento de grandes problemas mundiais, como a fome, as desigualdades sociais, a ignorância, a delapidação dos recursos naturais e a degradação do meio ambiente, os riscos de guerra e de destruição da espécie, o que trava o desenvolvimento das forças produtivas e perverte a utilização das extraordinárias realizações da inteligência humana, colocando-as ao serviço do enriquecimento de uns poucos.

A superação revolucionária do capitalismo é uma exigência do nosso tempo. A necessidade e actualidade do socialismo nunca foi tão grande como hoje, independentemente da diversidade das formas que vier a assumir.

Claro que isso não significa que as condições para a revolução estejam reunidas nos diferentes países.

Como afirmámos na Resolução Política aprovada no XX Congresso «os caminhos da revolução socialista, sendo diversificados e seguindo etapas diferenciadas de país para país, obedecem a leis gerais que a prática confirmou relativas à importância da teoria, ao papel da classe operária e das suas alianças, ao empenhamento criador das massas na criação do seu próprio destino, às questões do Estado e da propriedade dos principais meios de produção, ao papel de vanguarda do Partido».

No programa do Partido, Uma Democracia Avançada – os valores de Abril no futuro de Portugal, a democracia tem quatro dimensões – política, económica, social e cultural. Sendo todas elas inseparáveis, a verdade é que não há verdadeira democracia em nenhuma sociedade à margem da sua dimensão económica. A subordinação do poder económico ao poder político, a propriedade social dos sectores básicos e estratégicos da economia, a planificação democrática da economia, a coexistência de formações económicas diversas, o controlo de gestão e a participação efectiva dos trabalhadores na gestão das empresas públicas, a harmonização do desenvolvimento económico com a preservação do meio ambiente são vectores centrais da democracia económica que propomos.

A democracia económica que propomos exige que a direcção e as alavancas fundamentais da vida económica nacional não estejam nas mãos do capital monopolista nem das transnacionais e submetidas aos seus interesses, antes estejam ao serviço dos interesses do País.

Exige que, no quadro mundial de internacionalização dos processos produtivos, de divisão internacional do trabalho, de processos de cooperação e integração económica, Portugal aproveite e desenvolva os seus próprios recursos naturais e humanos e possua uma indústria forte.

Exige o desenvolvimento e a dinamização da agricultura, incompatível com a agricultura do latifúndio e com a situação de abandono dos pequenos e médios agricultores.

Exige a modernização e eficácia do sector de serviços.

Exige a afirmação e a prática de uma política de independência nacional de que é inseparável uma política democrática.

Para a concretização destes objectivos, o programa do Partido aponta para uma estratégia de desenvolvimento que parta da realidade actual, dos actuais constrangimentos e potencialidades da economia nacional e assuma uma intervenção que no plano concreto lhes dê resposta.

Tal como dizemos no programa do PCP “A democracia avançada que o PCP propõe ao povo português visa resolver muitos dos mais graves problemas actualmente existentes. Mas a liquidação da exploração capitalista, o desaparecimento geral e efectivo de discriminações, desigualdades, injustiças e flagelos sociais é tarefa histórica que só com a revolução socialista é possível realizar.”

Na concepção dialéctica que temos da vida e da sociedade, a  concretização de uma democracia avançada inspirada nos valores de Abril, criará condições propícias a um desenvolvimento da sociedade portuguesa conduzindo ao socialismo. Por sua vez a sociedade socialista que, o PCP propõe ao povo português incorpora e desenvolve os elementos fundamentais – económicos, sociais, políticos e culturais – da democracia avançada.

Sabemos que o processo social e político que conduzirá ao socialismo não depende apenas da vontade e da acção das forças que querem promovê-lo. Depende também, para além de outros factores, da actuação e das formas de resistência das forças que se lhe opõem. No Portugal do tempo em que vivemos o caminho do socialismo é o da luta pelo aprofundamento da democracia.

A acção de vanguarda da classe operária, a luta dos trabalhadores e das massas populares, a política assumida pelas instituições e pelo Estado, a maior ou menor democraticidade das eleições, a evolução da estrutura social e a arrumação das forças de classe, a conjuntura internacional, a capacidade do Partido para ganhar as massas para o seu Programa, são elementos fundamentais que determinarão no concreto o processo de transformação socialista da sociedade.

E a perspectiva de uma sociedade finalmente livre da exploração do homem pelo homem, a certeza de que é esse o sentido da história, dá mais confiança e força à nossa luta de todos os dias em defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e do país.