Cabendo-me fazer uma apreciação sobre o estado atual da Educação em Portugal, quero, em primeiro lugar, afirmar que não tenho uma visão catastrofista da situação. Temos uma Escola Pública de qualidade e largamente maioritária, uma Escola para todos, uma Escola que é responsável pela formação da geração mais bem qualificada de portugueses, reconhecida como tal.
No essencial, podemos afirmar que a Escola Pública tem cumprido a sua missão e que, apesar das políticas, a nossa Escola ainda mantém, em muitos aspetos, a matriz de Abril. Há, no entanto, a certeza de que, com mais investimento e atenção, a Escola Pública em Portugal poderá chegar mais longe, tendo um desempenho ainda melhor.
Falemos, então, de Educação. O tema é complexo, desde logo por ser das áreas em que a política está mais presente. E deve ser assim! Tantas vezes se ouve dizer que o mal é a politização da Educação, o mal é a mistura da Educação com a política, pois é isso que dificulta a resolução dos problemas... Nada mais politicamente absurdo, ou melhor, nada com maior intencionalidade política, do que esta afirmação.
É do foro político:
- Optar entre uma aposta clara na Escola Pública ou ter uma Educação sujeita às leis do mercado;
- Investir numa Escola Pública de qualidade para todos ou transformar esta numa resposta social, minimalista, entregue à sensibilidade e disponibilidade dos municípios;
- Criar condições para a inclusão plena ou optar pela segregação, alegadamente por ser melhor para todos;
- Optar por vias diversificadas, todas elas de qualidade ou por vias nobres (as científico-humanísticas) e outras, ditas vocacionais e profissionais duais, de menor dignidade;
- Avançar com um modelo de descentralização que assente na autonomia das escolas ou entregar a educação aos municípios, com todos os riscos que tal comporta.
Portanto, também na Educação é a política que decide. Como tal, falar em pacto para a Educação, ou algo semelhante, é coisa de quem pretende não abdicar do seu projeto, esperando que os outros consigo convirjam. Aliás, a própria ideia de pacto tem um sentido profundamente político, pois traduz a vontade de alguns de calar os demais.
A falta de um pacto nunca foi causa de instabilidade tremenda e, reconheçamos, alguma da estabilidade é até excessiva e denota acomodação e falta de vontade de mudar. Exemplo disso é a organização do nosso sistema com ciclos organizados em 4-2-3-3, algo que tem décadas e que, embora por vezes seja equacionado, não se vê qualquer movimentação no sentido de alterar esta organização.
Mas a falta de um pacto não impediu que se dessem passos importantes, como os sucessivos alargamentos da escolaridade obrigatória, a procura de caminhos para a inclusão depois de concretizada a fase da integração ou a própria elevação da formação inicial dos docentes, hoje, das mais elevadas em toda a Europa.
Obviamente que também assistimos a retrocessos. Aconteceu com os chamados movimentos de rede, fosse o encerramento cego de escolas do 1.º Ciclo, fosse a opção pela criação de mega-agrupamentos, uma verdadeira aberração pedagógica que tem merecido a crítica de todos, incluindo do Conselho Nacional de Educação que considerou que tal solução, não só agravou problemas antigos, como criou novos; o fim da gestão democrática, em 2008, pela mão do PS; a reorganização do ensino superior, imposta pelos ditames de Bolonha.
Foi neste quadro de alguma estagnação que também se instalaram na Educação algumas inevitabilidades, como o insucesso, o abandono ou a indisciplina no espaço escolar. O sistema acomodou-se a essas inevitabilidades, contra as quais nunca se tomaram medidas que, realmente, resolvessem os problemas, medidas de fundo que, a médio prazo, começariam a dar resultados. Pelo contrário, a intenção de aproveitar eleitoralmente a melhoria de alguns indicadores, levou a que se tomassem medidas que influenciando de imediato tais indicadores, nunca foram solução para coisa nenhuma. O sucesso escolar pode ter melhorado, mas o sucesso educativo dos jovens não melhorou, por vezes, o problema do insucesso até se terá agravado.
Chegámos à Legislatura anterior (2011 – 2015), sem dúvida a mais perigosa da atual era democrática para os serviços públicos e as funções sociais do Estado, que aqueles servem. Foi o período em que as políticas foram mais marcadamente neoliberais.
Juntaram-se dois fatores que nos permitem dizer que se juntou a fome à vontade de comer. Tínhamos a troika a ingerir nas políticas nacionais, na sequência da agressão perpetrada, e tínhamos o governo PSD/CDS com as sua políticas de direita, a ponto de Passos Coelho ter esclarecido que o caminho apontado pela troika seria o que o seu governo seguiria mesmo sem troika. E se assim o disse, melhor o fez, quando aos 800 milhões de corte exigidos pela troika na Educação, o governo PSD/CDS respondeu com um corte superior a 2.000 milhões, e não contando aqui o ensino superior e a investigação.
A concretização deste corte deu-se à custa de drástica redução de recursos humanos docentes e não docentes, bem como do agravamento das suas condições de trabalho e da sua desvalorização material, de quebras de qualidade e diversidade nas respostas educativas e formativas, da degradação de instalações recursos materiais… é neste período que se dá o maior número de despedimentos, se criam mais mega-agrupamentos, se eliminam disciplinas, se aumenta o número de alunos por turma, se desrespeitam os limites na definição do número de alunos em turmas que integram alunos com necessidades educativas especiais, entre muitas outras medidas.
Nestes cortes havia, obviamente, um objetivo economicista claro, mas também havia muito de ideológico. Degradar a Escola Pública era motivo de insatisfação das famílias e o governo pretendia que isso acontecesse.
Tudo servia para desvalorizar a Escola Pública, desde as suas dificuldades naturais por ser uma escola para todos, como deverá ser, às dificuldades resultantes dos cortes orçamentais, mas também às que resultavam da incompetência do próprio ME e levaram, por exemplo, a um enorme atraso na colocação de professores, tudo ficando completado com a utilização dos rankings para, comparando o incomparável, se afirmar que o privado era melhor do que o público. Denegrir a Escola Pública era o caminho certo para apontar no sentido da privatização.
E se a anterior Legislatura serviu, principalmente, para desvalorizar a Escola Pública, a que se seguiria, ou seja, a que hoje vivemos, seria a da mudança. A da mudança no sentido negativo, como o Guião para a Reforma do Estado, aprovado pelo governo PSD/CDS, esclarecia:
- Alargar as respostas da educação pré-escolar dando primazia às respostas privadas;
- Usar o 1.º ciclo como primeiro momento de discriminação, começando a catalogar as crianças na sequência do resultado obtido no exame da “4.ª classe”;
- Promover cedo a separação de vias, sem porosidade entre elas, logo desde o 2.º ciclo prolongando-se para o 3.º e o ensino secundário, reservando à Escola Pública o papel de resposta social já antes referido e reservando para o privado o acesso ao conhecimento.
- Acentuar a distinção entre as duas vias de ensino superior, aprofundando o sistema binário, com uma separação clara entre o modesto politécnico e o elevado universitário, reservando para o primeiro os cursos técnicos superiores profissionais, as tais meias licenciaturas, como lhes chamava Nuno Crato.
- Segregar os alunos com deficiência, separando-os dos das turmas de ensino geral, dito regular.
Porém, chegámos a outubro de 2015 e na sequência das eleições realizadas criaram-se condições para romper com o caminho previsto. O guião não passou ao terreno e outras medidas foram tomadas, muitas delas por iniciativa do PCP. Distingo, entre outras: o alargamento da educação pré-escolar através da rede pública de estabelecimentos; o corte nos contratos de associação, acabando com o financiamento de privados onde é suficiente a resposta pública; os manuais gratuitos no 1.º ciclo; o fim dos exames nos 4.º e 6.º anos; o fim do profissional dual e das vias vocacionais no básico; surgem experiências orientadas para a promoção do sucesso dos alunos; é desenhado um novo perfil de aluno à saída da escolaridade obrigatória, ainda que a sua viabilização obrigue a políticas distintas das que ainda se mantêm e a uma organização de escola muito mais democrática.
Há, contudo, ainda muito a fazer. No plano do investimento, pois não teve ainda lugar a reversão indispensável, após anos e anos de cortes. Quanto aos recursos humanos, é necessária a sua valorização e estabilização, mas também a melhoria das suas condições de trabalho. A efetiva redução do número de alunos por turma e não, apenas, a redução simbólica agora anunciada. A desagregação de mega-agrupamentos. Uma descentralização que não passe por qualquer movimento de municipalização. A redemocratização da gestão das escolas… e muitas outras medidas que tardam.
Estamos a meio da Legislatura, pelo que este é o momento adequado para pressionarmos o governo no sentido de desenvolver políticas que contribuam para a afirmação de uma Escola mais democrática. Há objetivos que temos e propostas que fazemos, algumas delas podendo parecer impossíveis de alcançar. Mas acreditemos que as coisas só são impossíveis até acontecerem. Façamos por que aconteçam. Lutemos!