A Revolução de Outubro abriu o caminho de uma nova época do longo e acidentado processo de emancipação social e nacional dos trabalhadores e dos povos – a época da passagem do capitalismo ao socialismo em que o desaparecimento da URSS não põe em causa a caracterização que fazemos da nossa época.
Para o proletariado que se expandia em vários continentes e se erguia como força determinante de transformação social, a Revolução de Outubro evidenciou a viabilidade da revolução social como uma realidade e não apenas como utopia, sonho ou projecto.
Foi grande o impacto da Revolução de Outubro no movimento operário internacional, então percorrido por influências ideológicas diversas, desde o reformismo social-democrata ao anarquismo. As primeiras medidas do novo poder do proletariado e as realizações concretas que iam avançando na Rússia soviética influenciaram de facto as massas trabalhadoras, nomeadamente quanto à percepção da necessidade de uma organização política de novo tipo que interpretasse e agisse de acordo com as aspirações e anseios da classe operária. É assim que num período relativamente curto se constituem dezenas de partidos comunistas, em países de diversos continentes, em que a solidariedade de classe – o internacionalismo proletário – assume uma forma de acção concreta de solidariedade com a revolução russa.
O movimento comunista internacional, impõe-se num mundo acabado de sair do primeiro grande conflito imperialista – a primeira guerra mundial – e após várias tentativas revolucionárias que não vingaram mas que, a par da vitória de Outubro, põem em evidência a crise revolucionária que percorria vários países da Europa.
“Anda um espectro pela Europa – o espectro do comunismo”. É assim que Marx e Engels iniciam o Manifesto, cuja publicação em 1848 identificamos como o início do movimento comunista. E a criação da Associação Internacional dos Trabalhadores - a I Internacional - em 1864, por iniciativa de Marx e Engels, concretiza-o como força organizada, símbolo e agente da “aliança fraterna da classe operária dos diferentes países”.
A história do movimento comunista é, desde então, a história do esforço para a unidade dos partidos comunistas e destes com outras forças revolucionárias e do combate ideológico ao oportunismo de direita e ao esquerdismo pseudo-revolucionário que contou com a tenacidade e a militância de Lenine quer na sua produção teórica quer na sua intervenção partidária.
Com a criação em 1919 da III Internacional – a Internacional Comunista – em que Lenine a partir da sua caracterização do imperialismo, como fase superior do capitalismo, e analisando quer as suas contradições quer o desenvolvimento da luta da classe operária, teoriza sobre a crise do capitalismo e as premissas da revolução socialista e releva o papel de vanguarda do partido de novo tipo e a criatividade das massas antes, durante e após a conquista do poder.
Lénine, perante a traição dos dirigentes da II Internacional, aponta para a necessidade da consolidação da corrente revolucionária do movimento operário internacional, sintetizada no apelo do Manifesto Proletários de todos os países, uni-vos! e elabora os princípios orgânicos da Internacional Comunista como uma organização revolucionária combativa.
Aborda a questão dos aliados nas diferentes etapas da revolução, o papel do Estado no período de transição, a natureza da ditadura do proletariado e da democracia socialista. Afirma a convergência da luta pela paz e pela democracia com a luta pelo socialismo e das lutas reivindicativas quotidianas das massas com as tarefas da revolução.
A Internacional Comunista contribuiu não só para a formação dos partidos comunistas como, essencialmente, ajudou a assegurar as suas matrizes ideológica e orgânica.
No 2º Congresso, em 1920, são constituídos os órgãos dirigentes da Internacional Comunista.
No quadro da realização deste Congresso é publicada “A doença infantil do comunismo – o esquerdismo” que surge como uma necessidade de combater tendências negativas e prejudiciais para o desenvolvimento da revolução e se precisa a táctica do movimento comunista.
O PCP, criado em 1921 pelos quadros mais esclarecidos do movimento operário português, assume-se desde o início como partido internacionalista, mas só em 1922 se liga à Internacional Comunista.
Com um processo de formação complexo, dada a heterogeneidade da sua composição e a inexperiência dos seus dirigentes, o PCP não estava à altura de enfrentar o golpe militar do 28 de Maio de 1926 e a ditadura que instalou.
Só com a reorganização de 1929 e o destacado papel de Bento Gonçalves o PCP se organiza na clandestinidade como partido leninista.
Como partido clandestino, que lutou contra muitas adversidades e dificuldades, as relações com a Internacional Comunista não foram fáceis. Apesar de erros cometidos em relação ao nosso partido, não deixamos de valorizar a sua contribuição para o desenvolvimento do PCP e do movimento operário em geral.
O VII Congresso da Internacional Comunista, em 1935, que marca uma viragem histórica no nosso movimento, combatendo o sectarismo que se instalara, devido em grande parte à não consideração das situações concretas de intervenção dos diferentes partidos comunistas nos respectivos países, centra a sua atenção nas novas condições da situação internacional decorrentes do ascenso do fascismo.
Dimitrov, com a sua correcta definição da natureza do fascismo, deu uma valiosa contribuição para a compreensão dessa ameaça e do perigo de guerra. Apelou à aplicação criadora do leninismo às novas condições de luta que, se apontou, seria concretizada pela Frente Única, definida como uma ampla aliança dos trabalhadores contra o fascismo.
Bento Gonçalves, secretário-geral do PCP, dirigiu a nossa delegação ao VII Congresso. Na sua intervenção, para além de relatar a situação económica, social e política no país e de abordar os progressos e debilidades do Partido, aponta para temos que vencer os restos do nosso sectarismo e levar a cabo uma vasta actividade no seio das organizações de massas dos trabalhadores e impulsionar a luta destes pelas suas reivindicações concretas imediatas.
Álvaro Cunhal num seu trabalho sobre o VII Congresso – passados 30 anos da sua realização - refere que Bento Gonçalves na sua intervenção salienta que, em Portugal, ao contrário de outros países, a Frente Única tinha que se realizar sobretudo na base da luta pelas reivindicações imediatas da classe operária e das massas laboriosas da população.
No referido trabalho, Álvaro Cunhal realça o alcance histórico das orientações do VII Congresso, nomeadamente quanto às questões da unidade da classe operária, da unidade antifascista e da relação da actividade legal e actividade clandestina a partir da experiência em Portugal, em que as orientações do VII Congresso só viriam a ser aplicadas após a reorganização de 1940/41 devido ao facto de Bento Gonçalves e outros dirigentes do Partido terem sido presos após o regresso do VII Congresso. Só nos anos 40 o PCP consegue dar continuidade ao seu trabalho entre as massas, incluindo no seio de organizações fascistas, como os sindicatos nacionais, o que se traduziu numa real unidade da classe operária portuguesa que, mais tarde, viria a permitir a criação da Intersindical ainda sob o regime fascista.
Quanto ao desenvolvimento do movimento comunista após o VII Congresso, Álvaro Cunhal destaca como as decisões então tomadas e a unidade do movimento comunista contribuíram para a derrota do fascismo na guerra, para o triunfo da revolução socialista numa série de países e para as grandes vitórias do movimento nacional-libertador.
Relembra a recomendação do Congresso de evitar a intervenção directa nas questões internas de organização de cada partido, pelo que cada destacamento do movimento comunista deverá fazer uma análise independente da situação no seu país e decidir das soluções e orientações adequadas à sua intervenção.
É na base dessa concepção – que foi consolidada pelo prolongado isolamento do PCP do movimento comunista internacional (de 1938 a 1947) - que o PCP se afirma com a experiência própria, porque não se sente obrigado a copiar um “modelo”indicado pela Internacional. O PCP habituou-se a definir a sua orientação sem ingerências externas, situação que se mantém nos nossos dias e lhe confere a grande autonomia de definir com independência a sua linha política, os seus princípios orgânicos, mantendo-se fiel ao marxismo-leninismo e ao internacionalismo proletário que é o elemento essencial da solidariedade da classe operária de todos os países.
Após a dissolução da Internacional Comunista em 1943, a discussão ideológica no movimento comunista conhece novas expressões.
Desde o browderismo do final da segunda guerra mundial, à generalização da tese da solução pacífica da passagem ao socialismo de meados da década de 50, ao nacionalismo estreito do Partido Comunista da China que deu lugar a um grave conflito com a URSS e levou à cisão em vários partidos comunistas, ao eurocomunismo em que a via parlamentar substituía a luta de classes, todos estes desvios prejudicaram a unidade do movimento comunista.
Mas, mesmo nestes períodos de grande controvérsia, tiveram lugar Conferências Internacionais de partidos comunistas – em 1957, 1960 e 1969 – que debateram a situação internacional e intervieram no sentido de projectar o seu papel decisivo na marcha dos acontecimentos políticos nos seus respectivos países e à escala mundial, valorizaram as realizações do socialismo e expressaram o seu empenho na defesa da paz, considerando o sistema socialista como a força decisiva na luta anti-imperialista.
O duro golpe que o movimento comunista sofreu com as derrotas do socialismo deixou-o permeável à ofensiva ideológica do grande capital, originando tendências liquidacionista, social-democratizantes ou de diluição dos partidos em frentes com objectivos diversos.
Entretanto a recomposição e o reforço de muitos partidos, a par daqueles que com confiança enfrentaram desde o início a nova situação do movimento comunista internacional, permitiu que um novo processo de encontros de partidos comunistas tivesse lugar. Os Encontros Internacionais de Partidos Comunistas e Operários em que o PCP se tem empenhado, nomeadamente visando a superação de dificuldades resultantes quer de posições sociais-democratizantes quer de concepções e práticas dogmáticas e sectárias, não tem favorecido a necessária unidade para a acção. O abandono de princípios, há muito consagrados, no relacionamento entre partidos comunistas – igualdade de direitos, independência, respeito mútuo, não ingerência nos assuntos internos, solidariedade recíproca - são a principal causa das insuficiências que o processo tem revelado para o reforço não só do próprio movimento mas do indispensável fortalecimento da frente anti-imperialista.
No quadro actual de profunda crise do capitalismo agudiza-se a ofensiva ideológica anticomunista. Incapazes de iludirem a dimensão histórica da Revolução de Outubro e do que ela significou à escala mundial, procuram silenciá-la ou deturpá-la. Aí temos o regresso do antisovietismo em todas as suas dimensões. É a reescrita da história em função dos interesses da classe dominante. Seja o silenciamento do acervo de direitos sociais, políticos, económicos e culturais adquiridos e a sua repercussão na posterior consagração em países capitalistas; seja a ocultação dos inegáveis progressos no campo da ciência e da técnica; seja a dimensão solidária e internacionalista com outros povos, contrastando com as relações de dominação das potências capitalistas; seja o uso de campanhas para pôr em causa o nosso ideal e projecto, como acontece com Staline, que não deve ser diabolizado ou endeusado, antes deve ser avaliado no seu percurso, quer por erros graves no Partido e no Estado, quer pelo indesmentível papel histórico que desempenhou. Aliás subjacente a tão violentas campanhas não está da parte dos inimigos do socialismo a crítica a esses erros, mas sim o propósito de atingir através dele as grandes realizações da União Soviética, do seu povo e do Partido de que foi dirigente, nomeadamente o papel extraordinário, que a história para sempre registará, da libertação da humanidade da besta
nazi-fascista. Esta componente fundamental da ofensiva ideológica anti-comunista é acompanhada pela promoção do individualismo e da inutilidade da luta organizada, apagando o papel revolucionário dos comunistas.
Simultaneamente, apregoa-se o fim da luta de classes e divulgam-se valores e concepções obscurantistas com o objectivo de desarmar as massas para a perspectiva de uma ruptura revolucionária que abra o caminho para a concretização de uma sociedade sem exploradores nem explorados – o socialismo.
Retirando todos os ensinamentos – positivos e negativos - das experiências históricas do movimento comunista e revolucionário mundial, o PCP considera que, por diferentes caminhos e etapas, o socialismo afirma-se como objectivo de luta dos povos, como uma exigência da actualidade e do futuro.