Desde sempre, nas sociedades divididas em classes antagónicas, os explorados e oprimidos aspiraram e lutaram pela sua libertação.
A luta de classes determinou as transformações que fizeram andar a roda da história, da sociedade primitiva ao esclavagismo, deste ao feudalismo, daquele ao capitalismo e, a partir da Revolução Socialista de Outubro, nesta constante e acidentada caminhada, por vezes marcada por saltos bruscos, avanços, recuos, vitórias e derrotas, o enorme salto em frente nunca antes conseguido – a passagem do capitalismo ao socialismo.
Da revolta dos escravos liderada por Spartacus na Roma Antiga às lutas dos camponeses servos da gleba na Idade Média; à Revolução Francesa de 1789 com os seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade; à revolução industrial do século XIX que fez emergir uma nova classe social – o proletariado; – às lutas da classe operária contra a exploração capitalista; à Comuna de Paris; às lutas, revoltas e revoluções do século XX; ao desenvolvimento de uma nova teoria para interpretar e sobretudo para transformar o mundo; longa, lenta, acidentada e complexa foi esta marcha milenar a caminho da libertação da humanidade da exploração e da opressão.
No início do século XX, com a Revolução Socialista de Outubro, pela primeira vez na história, o sonho, a utopia, esta aspiração milenar dos explorados e oprimidos, que no século XIX assumira já contornos de programa político, nomeadamente com o Manifesto do Partido Comunista que Marx e Engels escreveram para a Liga dos Comunistas, converter-se-ia em acção revolucionária, empreendimento concreto de edificação de uma sociedade nova, sem classes sociais antagónicas, livre da exploração do homem pelo homem, o socialismo, tendo como perspectiva e horizonte a construção do comunismo.
Ficava assim iniciado o caminho para uma nova época, a época da passagem do capitalismo ao socialismo, «o mais gigantesco, audacioso e complexo empreendimento de transformação social verificado em milénios de História da Humanidade», como o havia de caracterizar Álvaro Cunhal, sublinhando que «neste gigantesco processo de transformação social, que envolveu e envolve todo o planeta, os comunistas desempenharam e desempenham um papel determinante». Por isso mesmo, acrescentava: «por mais furiosa que seja a campanha que contra os comunistas se desencadeia no mundo, o nome de comunista é um nome glorioso, pelo seu projecto de sociedade, pela atitude de dedicação aos povos, pelo papel desempenhado nas conquistas e transformações progressistas que marcam o século em que vivemos».
A Revolução de Outubro, na velha Rússia, não foi um acto isolado. Foi um processo complexo e acidentado que mergulha as suas raízes nas lutas populares da última parte do século XIX contra a autocracia czarista; contra o atraso feudal nos campos e pela terra, num desenvolvimento capitalista que, apesar do atraso geral do país, criou um proletariado industrial muito concentrado e combativo na luta pelo trabalho, pelo pão e pela paz; na agudização dos problemas nacionais e na aspiração dos povos do vasto império russo (a «prisão dos povos», como o designou Lénine) à auto-determinação; nos terríveis sofrimentos provocados pela guerra (a «Grande Guerra» de 1914-1918) e na generalizada aspiração das massas populares à paz; na luta contra a «catástrofe iminente» que ameaçava a Rússia.
A Rússia czarista era um País atrasado, sujeito a um poder ditatorial ferozmente repressivo, com uma imensa massa de camponeses pobres vivendo em condições de exploração de tipo feudal, uma grande massa de desempregados, 75% de analfabetos, com uma escola para as elites (4/5 das crianças e adolescentes não frequentavam a escola), privação quase total de direitos para a mulher, ausência de protecção social.
Simultaneamente as relações capitalistas progrediam rapidamente na cidade e no campo. Nas regiões de São Petersburgo (Petrogrado, mais tarde, Leninegrado), Moscovo e outras concentrava-se um proletariado cada vez mais numeroso e combativo, desenvolviam-se poderosos movimentos grevistas, ao mesmo tempo que ocorriam grandes movimentos camponeses, crescia a agitação e a luta revolucionária contra a autocracia czarista.
A Revolução Russa de 1905 foi a primeira grande revolução popular da época do imperialismo tendo o proletariado como guia. É nela que surgem os Sovietes (conselhos ou assembleias eleitos pelas organizações económicas operárias) que Lénine classificou de «órgãos da insurreição e embriões do poder revolucionário») que viriam a tornar-se na forma mais particular que o poder do proletariado assumiu. Mas, nesta Revolução, as condições não estavam ainda reunidas para a vitória dos trabalhadores e do socialismo. O Partido Operário Social-Democrata da Rússia, criado e dirigido por Lénine, dava ainda os seus primeiros passos.
Mas tal como Marx e Engels haviam retirado importantes ensinamentos da Comuna de Paris em 1871, esse «assalto aos céus» que a reacção afogou em sangue, Lénine retirou da revolução de 1905 ensinamentos preciosos para o desenvolvimento da teoria e da prática revolucionárias na época do imperialismo.
Em Fevereiro de 1917, eclode na Rússia a revolução democrática burguesa, já com uma classe operária experimentada e um partido bolchevique orgânica e ideologicamente preparado para dirigir a classe operária e as massas à conquista do poder. De facto, a transformação da revolução democrática burguesa em revolução socialista, que Lénine fundamentara em obras como «As duas tácticas da social-democracia na revolução democrática», o derrube do Governo Provisório e a sua substituição por um governo de operários e camponeses torna-se não apenas possível mas imperiosamente necessário para derrotar a contra-revolução e alcançar a paz.
Nos meses que precederam as salvas do «Aurora» e o assalto vitorioso ao Palácio de Inverno, o derrube do Governo Provisório e a eclosão da insurreição geral foi imensa a actividade das massas. Só em Agosto/Setembro participaram em greves mais de dois milhões de trabalhadores.
É nesta dinâmica de massas e de amadurecimento da crise revolucionária que os bolcheviques, solidamente organizados e portadores de uma orientação segura, sob a palavra de ordem de Lénine «todo o poder aos sovietes!» alargam as suas fileiras, ganham crescente influência entre os trabalhadores, soldados e camponeses pobres, arrebatam aos mencheviques e aos socialistas revolucionários (que apoiavam o Governo Provisório de Kerensky) a maioria de sovietes, transformam a revolução democrática burguesa em revolução socialista, derrubam o governo dos capitalistas e lançam-se na edificação do novo Estado soviético – um Estado de operários e camponeses – que inicia um processo de profundas transformações políticas, económicas, sociais, culturais e nacionais de alcance universal. Marco maior no processo milenar de emancipação da humanidade.
Em grandes linhas, tais são as circunstâncias concretas, internas e externas, que tornaram possível, não num país capitalista desenvolvido como era suposto, mas num país atrasado, a vitória da primeira revolução socialista e o extraordinário empreendimento a que deu lugar de construção de uma sociedade nova, sem exploradores nem explorados.
Efectivamente, o que marca fundamentalmente a Revolução de Outubro é precisamente o seu carácter histórico universal. É o facto de, correspondendo às exigências do desenvolvimento social, inaugurar uma nova época histórica – a época da passagem do capitalismo ao socialismo – e confirmar teses fundamentais do socialismo científico que Marx e Engels fundaram e que Lénine desenvolveu nas condições do imperialismo, nomeadamente: a missão histórica da classe operária como coveira do capitalismo; o papel do partido revolucionário de vanguarda; a transformação social como obra criativa das próprias massas; a teoria como força material («só um partido guiado por uma teoria de vanguarda pode desempenhar o papel de combatente de vanguarda» como reconhece Lénine na obra «Que fazer?»); o poder como questão central da revolução; a exigência da liquidação da propriedade privada dos principais meios de produção; a solução da questão nacional na base do direito dos povos à autodeterminação; o internacionalismo proletário.
Foi a primeira revolução socialista vitoriosa Uma Revolução em que pela primeira vez a classe operária e seus aliados (e, entre estes, em primeiro lugar o campesinato) conquistaram o poder e reestruturaram a sociedade no interesse dos trabalhadores e da esmagadora maioria do povo.
Trata-se de uma revolução só possível pelo papel nela desempenhado pelo Partido Bolchevique (Partido Operário Social-Democrata da Rússia (b), Partido Comunista da Rússia (b) a partir do VII Congresso de Março de 1918,) como vanguarda do proletariado russo e força dirigente da revolução.
Afirmava Álvaro Cunhal que «no meio das tempestades provocadas pelo imperialismo historicamente agonizante, a Revolução de Outubro continua como um farol a iluminar a rota dos trabalhadores e dos povos para a sua completa libertação».
Palavras certeiras e atuais, num tempo em que o socialismo, exigência da actualidade e do futuro, continua a assustar os poderes hoje ainda dominantes.
Citando o Manifesto do partido comunista bem poderíamos afirmar que «anda um espectro pela Europa [melhor dizendo, pelo mundo] – o espectro do comunismo». contra o qual se continuam a levantar as classes dominantes.
O grande medo, que não conseguem disfarçar e que alimenta os histriónicos fuzis da ofensiva ideológica que conduzem, advém do facto de saberem que os princípios fundamentais traçados há 169 anos no Manifesto do partido Comunista, o ideal e o projecto libertador que a Revolução de Outubro materializou, estão bem vivos a estimular e a guiar a luta dos trabalhadores e dos povos, que prossegue.
Advém do facto de saberem que o anunciado «fim da história» não chegou e que, da intensa luta de classes que vivemos, o que emerge é o fatal anúncio do seu fim.
Por muito que lhes custe, há mil vezes mais força propulsora sobre a história no apelo do Manifesto do Partido Comunista «proletários de todos os países, uni-vos!» do que no imenso arsenal das suas armas de exploração, opressão, agressão e predação no seu conjunto.
Até porque, apesar dos enormes perigos e obstáculos que enfrenta, na dialéctica dos seus avanços, recuos, potencialidades, novos desenvolvimentos e avanços, esta marcha milenar da humanidade não parou.