A revolução de Outubro deu início à transição da humanidade para o socialismo e o comunismo, a passagem para uma sociedade em que a exploração e opressão dos trabalhadores e dos povos cedem lugar a relações verdadeiramente humanas, em que o desenvolvimento de cada um e o de todos são momentos dum mesmo processo. Além das realizações internas, a URSS inspirou e apoiou as lutas progressistas contra o capital, confirmou a força teórica do marxismo-leninismo ao converter-se em força material pela ação consciente das massas trabalhadoras, esteve ao lado da luta anti-colonial e da luta contra as ditaduras apoiadas pelo imperialismo. O próprio capitalismo foi obrigado a fazer conceções e a garantir direitos que de outro modo não admitiria. É ilustrativo verificar que a vitória da contra-revolução na URSS coincide com a ofensiva geral, na Europa ocidental, contra o chamado “Estado Social”.
Em termos económicos, as relações de produção implementadas em decorrência da revolução de Outubro abriram o caminho a um desenvolvimento impressivo das forças produtivas, que passaram a ser colocadas ao serviço do progresso social e a elevação do nível de vida dos trabalhadores.
Ao fazer referência às muito significativas realizações soviéticas há que atentar na especificidade do socialismo, fase da construção comunista em que ainda vigoram relações mercantis, estado, etc, e em que a nova sociedade ainda traz em si muitas das marcas do passado. É preciso atentar no facto de o imperialismo continuar a ser, durante esta fase, mais poderoso económica e militarmente. E é necessário levar em conta que o processo de edificação socialista se mostrou mais longo, complexo e irregular do que se previa e que nesse processo foram cometidos erros que muito custaram ao movimento comunista como um todo. É também importante perceber que as possibilidades reais que a revolução russa abriu não podem ser resumidas aos setenta anos de existência da URSS, elas são incomparavelmente superiores. O socialismo não pretende simplesmente competir com o capitalismo, mas sim superá-lo. Há que saber ver, nesse processo, as forças que permitem ao futuro germinar. Mesmo tendo presente a necessária cautela ao proceder a comparações, as realizações soviéticas são espantosas e evidenciam as possibilidades de uma economia ao serviço do povo.
Em poucos anos o país soviético, atacado desde o seu início por forças internas e externas que visavam a sua aniquilação, conseguiu levar, sem qualquer ajuda externa, uma sexta parte do globo de um nível capitalista relativamente incipiente, com alguns resquícios feudais e semi-colonizado, ao de superpotência económico-social, militar, em termos sociais e culturais, em termos civilizacionais.
A construção do socialismo foi pautado por enormes realizações económicas. A indústria da URSS já conseguia, em 1925, produzir ¾ da produção industrial de antes da guerra e no final da década já ultrapassara largamente esse nível. De 1930 a 1933 a URSS dobrava, em apenas três anos o seu nível económico. Foi realizada, em poucos anos, a eletrificação de um território com mais de 10 fusos horários. Até 1937, em menos de uma década, em condições extremamente desfavoráveis, o poder soviético conseguirá criar quatro vezes toda a indústria que havia no início da década e sete vezes o nível que existia antes da guerra.
Nas duas décadas iniciais a URSS desenvolveu-se a um ritmo nunca visto na história da humanidade e conseguiu tornar-se, ainda antes da II Guerra Mundial, o primeiro país da Europa e o segundo do mundo quanto ao nível da produção industrial. Isto contribuiu para salvaguardar, mais tarde, a capacidade material de derrotar o nazi-fascismo.
Nos anos que se seguiram à II guerra mundial, a URSS sozinha, sem a ajuda de qualquer plano Marshall crescia a um ritmo anual superior a 10%. Em 1963, se considerarmos apenas a produção industrial, esta tinha crescido mais de 52 vezes em comparação com 1913. Entre 1945 e 1964 a renda nacional da URSS cresceu 570%. Os próprios organismos da ONU referiam que nunca se tinha visto na história um tão rápido crescimento e elevação do nível de vida de toda uma sociedade. Desde meados dos anos setenta a URSS, sozinha, representava cerca de 20% de toda a produção industrial mundial.
Na primeira metade dos anos 70, a URSS alcançou a paridade militar com os EUA e a NATO. Todas as realizações económico-sociais da URSS foram alcançadas com apenas uma parte da riqueza produzida, uma vez que o imperialismo forçou uma corrida armamentista que obrigava a URSS a despender quase metade do orçamento, em defesa.
Apesar de todas as dificuldades, a URSS ultrapassava em 1990 os EUA na produção de aço, fertilizantes minerais, máquinas de corte de ferro, de tratores, na extração de petróleo e gás. A produção de batata, beterraba, manteiga, leite, ovos, peixes era maior na URSS do que nos EUA.
O desenvolvimento económico forneceu a base material para as demais realizações sociais.
A URSS criou o primeiro sistema de segurança social universal da história. Os direitos laborais encontraram eco na legislação mais avançada do mundo. Foi criada a jornada laboral de 8 e depois de 7 horas e a semana laboral de cinco dias; criou-se o sistema de pensões para idosos e inválidos; garantiu-se a reforma aos 60 anos para homens e 55 para mulheres; garantiu-se uma baixa por maternidade de cerca de 20 meses; garantiu-se a baixa por enfermidade com 100% do salário; garantiu-se um mês anual de férias remuneradas, etc.
Os cidadãos soviéticos tinham garantidos o direito ao trabalho e repouso. Em apenas duas décadas após a revolução de outubro o desemprego acabou na URSS. E não era apenas garantido o direito ao repouso, a um mero interregno entre jornadas laborais, mas sim um momento de desenvolvimento cultural integral da personalidade. A habitação, a água, luz, aquecimento e transportes urbanos tornaram-se garantidos ou quase gratuitos. O transporte para o local de trabalho passou a ser completamente gratuito. Enquanto os salários subiam, o preço da alimentação mantinha-se estável ao longo de décadas. Nos anos 80 o consumo médio destes produtos na URSS ultrapassava largamente o consumo médio dos americanos e era mais do que o dobro do consumo em países como a Espanha. As cidades soviéticas eram seguras e baixíssimos os níveis de criminalidade.
A URSS teve, indubitavelmente, o melhor sistema de saúde preventiva e geral do mundo até hoje. Na URSS era garantido o direito ao acompanhamento e tratamento médico gratuito e universal, desde cuidados profilácticos e de ambulatório a operações complexas. A quantidade de médicos por habitante na URSS era superior ao existente nos países imperialistas. Antes da perestróika a URSS tinha uma das mais altas esperanças médias de vida. A pátria soviética foi o primeiro país a fazer transplantes de órgãos, foi o primeiro país a garantir o direito do acompanhamento no parto a todas as mulheres e o parto sem dor. Foram enormes os avanços da medicina soviética em âmbitos como a infecciologia. A vitória sobre a varíola foi, em grande medida, uma vitória soviética. Apesar das inúmeras dificuldades e até acontecimentos trágicos, a URSS foi o primeiro país a acabar efetivamente com a fome para toda a população.
A mulher soviética foi a primeira a ter direitos iguais ao homem em todos aspectos da vida social.
O analfabetismo foi totalmente superado pelo poder soviético em pouco mais do que duas décadas. Na URSS foi garantida uma educação pública, universal e gratuita em todos os níveis de ensino, desde a creche e infantários à universidade. Eram garantidos aos estudantes soviéticos férias em acampamentos de verão.
A URSS criou o direito ao ensino nocturno para os trabalhadores e esteve na linha da frente na implementação do ensino técnico, no ensino de adultos, no ensino de crianças com necessidades educativas especiais. A URSS foi o primeiro país a garantir o direito de toda a população infanto-juvenil ao desporto, à educação musical, a campos de férias.
Foram inúmeras as conquistas científicas e tecnológicas do povo soviético. Deu-se início ao processo de superação da milenar separação entre trabalho manual e intelectual e abriu-se ao povo trabalhador as portas da ciência, vendo nele o sujeito e objetivo do desenvolvimento social.
A cultura soviética era pujante. Eram editados mais livros na URSS que em todos os demais países do mundo juntos. Havia mais bibliotecas, teatros e cinemas do que em qualquer outro país.
O poder soviético permitiu às nações e etnias, antes oprimidas pelo poder tsarista um desenvolvimento harmonioso nunca antes visto. As repúblicas soviéticas adquiriram estatuto de co-construtores da nova sociedade em igualdade de direitos.
A URSS apoiou em actos e não apenas em palavras a luta anti-colonial, ajudou a combater ditaduras, suportou a luta de povos contra o fanatismo religioso e os resquícios de opressão pré-capitalista.
Na URSS havia uma participação massiva dos trabalhadores em todas as estruturas governativas e todos os domínios da vida colectiva.
Assim era a URSS. Mas, perguntamo-nos, como ocorreu a vitória da contrarrevolução burguesa que pôs fim à União Soviética? Ao procurar respostas, não podemos ficar presos à analise meramente política, à dicotomia entre causas endógenas ou exógenas ou à escolha entre personalidades. Há que analisar o todo e analisá-lo dialeticamente.
No que diz respeito à economia, na segunda metade do século XX, a URSS preparava-se para passar de um crescimento predominantemente extensivo, para um crescimento intensivo, que desse conta da enorme complexificação da estrutura económica, que permitisse a introdução massiva das novas tecnologias, que desse mais peso à qualidade, que respondesse à necessidade de reequilíbrio entre indústria pesada e ligeira, que desse mais voz aos consumidores e à sociedade em geral, etc.
A fase de crescimento intensivo da economia evidencia a necessidade de superação do modelo administrativo burocratizado que, nos moldes em que funcionava, não conseguia dar a melhor resposta às exigências do desenvolvimento económico. Para dar apenas um exemplo, a produção de dezenas de milhões de produtos distintos não pode ser controlado eficazmente por uma estrutura central burocratizada e autoritária. Exige uma melhor articulação, em que tanto o recurso a sistemas tecnológicos como a ampliação da autonomia como têm um importante papel. Isto implica uma maior difusão da informação, troca de ideias, críticas, etc. Assim, o próprio desenvolvimento económico exigia uma ampliação da participação democrática dos trabalhadores na vida económica e política. Era necessário o alargamento da democracia socialista para garantir não apenas a consolidação política e o desenvolvimento pessoal, mas também o ritmo de crescimento económico.
Desde o início da segunda metade do século XX tinham sido tentadas algumas alterações, mas que vão introduzir, não propriamente um reequilíbrio dinâmico entre propriedade estatal e não-estatal, mas antes elementos de regulação mercantil baseada no lucro no interior da própria propriedade estatal. Isso vai contribuir para uma desorganização da planificação coordenada e ao surgimento e acirramento de contradições entre interesses individuais, coletivos e gerais que vão permitindo (ao serem combinadas com erros políticos e com a intervenção nunca cessada do imperialismo internacional) o crescimento paulatino de tendências anti-socialistas que, durante décadas, vão ganhando força.
A taxa de crescimento do PIB, embora impressionante até aos últimos dias da URSS, abrandou paulatinamente na segunda metade do século XX. A meados dos anos 80, a necessidade de alterações significativas tonou-se clara. A perestróika era uma oportunidade, se bem conduzida, de superação de muitas deficiências, desvios e erros cometidos na edificação socialista. Eram necessárias alterações para garantir a consolidação dessa edificação. Porém, a incapacidade de proceder às mudanças necessárias e a capitulação ideológica perante o capitalismo transformou um potencial salto qualitativo num retrocesso civilizacional. A necessária e urgente perestróika transformou-se em Katastróika, em vitória das forças contra-revolucionárias. Ainda está por contar grande parte da história da profunda dor provocada pelos processos de desmantelamento económico do país, pelo aparecimento e rápido recrudescimento da exploração capitalista, da destruição de vidas de muitos milhões de pessoas, pelo surgimento de estruturas mafiosas que concorreram para uma espécie de “acumulação primitiva do capital”, pelo aumento dos conflitos entre povos. O desastre económico (o PIB anual da Rússia caiu, só no primeiro ano após o fim da URSS, 17%, a produção industrial caiu para metade em poucos anos) e político reflectiu-se na vida dos trabalhadores, com perda de poder de compra e de direitos. Muitos só se aperceberam da importância de uma economia a serviço dos trabalhadores depois de ela ser destruída. Muitos milhões perderam o emprego, habitação, perspectivas de vida. Muitos viram no suicídio a única saída da situação. Outros, adquiriram uma nova consciência da necessidade de resistir e lutar de forma organizada.
O reconhecimento da importância da revolução de Outubro e a assimilação critica da experiência da construção do socialismo na URSS exigem a superação dos erros do passado e o desenvolvimento teórico da compreensão do socialismo. Ao avaliar o significado da revolução de Outubro é imperativo penetrar na dialéctica do geral e do particular e apreender a concatenação profunda dos processos que explicam os acontecimentos históricos.
A história mostra que, frequentemente, aos retrocessos temporários se sucede um maior e mais consolidado avanço. O capitalismo não é uma fatalidade. A contradição entre capital e trabalho, entre o carácter social da produção e o carácter privado da apropriação continua a agudizar-se, aumenta a composição orgânica do capital, etc. A revolução de Outubro inaugurou a primeira fase das revoluções socialistas vitoriosas. Outras virão. Para a inexorável futura transformação revolucionária, a compreensão aprofundada da experiência soviética é indispensável.