centenario | Sessão/Debate «Agricultura e desenvolvimento rural»

Intervenção de João Ramos

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Intervenção de João Ramos

Camaradas e amigos,

“A fixação de preços não compensadores aos pequenos agricultores; atribuição da direção dos mercados e dos preços dos produtos agrícolas aos grandes senhores da terra instalados nos Grémios, Juntas e Federações; o peso esmagador dos impostos; os empréstimos usurários que muitas vezes dão lugar à expropriação das terras; a situação desvantajosa e a inferioridade dos pequenos agricultores no que respeita a máquinas, a gados, a adubos, a técnica e a crédito; colocam a pequena lavoura na impossibilidade de concorrer com a grande e provocam inexoravelmente a sua ruína e liquidação. Centenas de milhares de pequenas explorações agrícolas desapareceram desde o advento da ditadura fascista. A proletarização dos pequenos agricultores verifica-se rapidamente.”

Conseguimos ver nestas palavras muitos pontos de encontro com a descrição da situação atual da agricultura portuguesa. Esta é uma descrição inscrita do Programa do Partido saído do VI Congresso realizado em 1965, há mais de 50 anos.

Nesta altura apontava-se como causa para o problema a divisão da propriedade existente. Dizia-se que os 500 maiores proprietários tinham mais terra de os 500 000 mais pequenos. Também nos tempos que correm, 3,8% das explorações, gerem 1/3 da Superfície Agrícola Utilizada e metade do efetivo pecuário.

Mas esta não é a única semelhança entre a situação atual e a descrita em 65. Também agora o controlo dos preços está na mão, das grandes empresas a quem os governos servem. Também agora o setor bancário não está orientado para o apoio ao investimento produtivo, nomeadamente dos agricultores mais pequenos. Também agora os agricultores mais pequenos estão em desvantagem no acesso aos meios de produção. Ainda recentemente, o anterior governo PSD/CDS obrigou a inscrever nas finanças quem vendia umas couves ou uns ovos. Os mesmo que fizeram isto indignam-se agora com a proposta do PCP de reavaliação, para efeitos de IMI, dos prédios com mais de 50 hectares. Também agora continuam a desaparecer milhares de explorações provocando uma redução consistente e estrutural no emprego na agricultura. Entre 2008 e 2016 há menos 262800 empregos no setor da agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca, o que corresponde a uma redução de 45% dos empregos neste setor em 8 anos.

São muitas as diferenças existentes entre a situação política de 1965 e 2017. Mas tal como em 65, agora a agricultura é controlada por uma orientação capitalista de domínio da atividade produtiva e de produção de riqueza, muita e rápida, cada vez mais concentrada, sem que haja resquícios de preocupação, com o emprego, a ocupação do território, a produção agroalimentar para satisfação das necessidades do país.

Ao modelo de atividade agrícola hoje instalado nos serviços do ministério da agricultura e a partir dos ideólogos e da federação que é ouvida, não interessa as necessidades do país. O que lhe interesse é a recuperação rápida e exponenciada dos seus investimentos de capital. Este é o modelo que se encaixa no objetivo dos governos de direita, mas também do atual, de atingir o equilíbrio da balança do agroalimentar em valor. Este objetivo decorre, também, da estratégia da PAC e do desenho e desempenho dos programas comunitários destinados à Agricultura, que deliberadamente fragilizaram a nossa soberania alimentar e tornaram o país mais dependentes, pagando primeiro para não se produzir, pagando depois sem haver necessidade de produzir e promovendo agora a expansão capitalista da agricultura. Estratégia e programas que concentram os apoios da União Europeia, no agro-negócio, nas produções intensivas, nos grandes agrários.

Como resposta a esta situação o PCP defende como um dos eixos prioritários da Política alternativa, patriótica e de esquerda, a “Defesa e promoção da produção nacional e dos sectores produtivos, com a planificação da actividade económica e o desenvolvimento de uma política em defesa da indústria transformadora e extractiva, da agricultura e das pescas, que coloque os recursos nacionais ao serviço do povo e do País e reduza os défices estruturais”.

A agricultura como instrumento ao serviço do desenvolvimento do capitalismo é modelo, que já conhecemos de outros tempos, ainda que com características diferentes e menos globais. Modelo que está novamente associado ao espetro do trabalho escravo, do trabalho sem direitos, dos baixos salários, com o acentuar do caminho do despovoamento. O espetro da sobre exploração das terras, do uso massivo de pesticidas e outros produtos químicos, da falta de monitorização dos valores ambientais.

Na conceção do PCP, a agricultura é em primeiro lugar um instrumento de soberania e depois um instrumento de desenvolvimento. A agricultura nacional deve satisfazer tanto quando possível a autossuficiência, nomeadamente em produções estratégicas, como são os cereais, o leite, a carne, a fruta. Deve dar um contributo para a ocupação do território e para o pleno emprego.

É por isso que o controlo do meio de produção terra é tão importante. É por isso que o PCP continua a afirmar que é preciso “uma transformação da estrutura agrária, com uma reforma agrária que liquide a propriedade latifundiária”.

Nunca o desenvolvimento do país aconteceu concentrando os meios de produção. Quando mais se desenvolveu, mais se povoou, foi com mais acesso aos meios de produção, incluindo o acesso à terra.

É neste contexto que a ação do PCP na Assembleia da República se enquadra no objetivo de denuncia das políticas e dos objetivos da política de direita e das regras e constrangimentos da União Europeia. Uma intervenção de valorização e apoio à agricultura familiar, (aquela pequena e média agricultura feita por famílias e não aquela cujo rendimento sustenta famílias que não a pratiquem), vocacionada para a ocupação do território, para a produção de proximidade e de qualidade, para a criação de emprego.

Toda a ação parlamentar do PCP vai nesse sentido. São disso exemplo o empenhamento na luta contra a lei dos baldios do anterior governo que se apresentou como um ataque à propriedade comunitária, desrespeitando os legítimos proprietários dos baldios – as comunidades locais. Já nesta legislatura o PCP empenhou-se na eliminação desta lei nefasta e na construção de uma nova estrutura legislativa, que não sendo a do PCP, é melhor do que a lei em vigor.

Exemplo também toda a luta em defesa da Casa do Douro, estrutura representativa e de defesa dos pequenos e médios viticultores que desenvolvem a sua atividade de montanha em situação muito difícil e pouco rentável. Também aqui é preciso avançar rapidamente para retirar o controlo da produção a parceiros da CAP e das grandes casas exportadoras de vinho, cujos interesses, como é fácil de ver, não coincidem com os dos pequenos viticultores.

Uma ação em defesa dos rendeiros do Estado e de proprietários, como os casos dos rendeiros da herdade do Machados ou da herdade da Comporta, que tiveram do anterior Governo PSD/CDS a ameaça de perderem as suas explorações e que continuam a aguardar do atual Governo do PS, uma posição mais concreta em defesa dos seus direitos.

Uma posição em defesa dos produtores de raças autóctones, dos pastores e dos produtores de queijo, dos produtores de aguardente de medronho, dos apicultores, dos produtores de plantas e flores ornamentais, de novas produções como o figo-da-índia.

Dos produtores de leite, setor em que o país é autossuficiente e está hoje ameaçado pela liberação da produção. A União Europeia, que foi apresentada como a terra do leite e do mel, está a fazer o país caminhar a passos largos, para uma terra onde o leite é holandês ou irlandês e o mel vem da China. Olhamos já com preocupação para o fim dos direitos de plantação de vinha, que estando garantidos até 2030, não está afastada a sua eliminação. Também com o leite foram prorrogando o fim do regime regulado. Até encontraram um sistema a que chamaram de aterragem suave com a eliminação progressiva das quotas. Mas quando desapareceu a regulação, quem tem mais condições para produz mais e quem, podendo até produzir melhor, não tem as mesmas condições, só lhe resta fechar a porta. É mau o que se está a passar com o leite. Não será melhor quando se passar com o vinho.

O PCP tem sido a voz de denuncia de ação da grande distribuição junto dos produtores de asfixia dos preços. A distribuição continua a ficar com mais de 70% do valor produzido, enquanto à produção chegarão cerca de 10. E por isso, pelo facto de a distribuição ser um entrave ao rendimento da atividade agrícola, o PCP não se tem cansado de afirmar e propor que o país não pode esperar pela boa vontade e pela condescendência das cadeias de distribuição para que a produção seja paga de forma justa. É preciso impor regras e temo-las proposto na obrigatoriedade de venda da produção nacional, na indicação de proveniência, na limitação dos lucros, na exigência e mais fiscalização e de atuação nas inúmeras suspeitas de prática de dumping

Onde também o PCP tem sido voz incansável é na defesa dos serviços públicos do ministério da agricultura. A redução de pessoal dos serviços, faz com que hoje haja atrasos na apreciação de candidaturas; se encerrem serviços de proximidade; se mantenham estruturas tão importantes, como são os laboratórios, em alguns casos pouco mais que em letargia. Sem serviços de apoio e aconselhamento do ministério da agricultura, os agricultores estão completamente nas mãos das associações ou pior ainda, nas mãos de quem lhe vende os meios de produção. É com esta preocupação que o PCP tem proposto medidas como a reposição dos serviços de extensão rural ou do corpo de guardas florestais. Tem proposto a valorização e o reforço do orçamento dos laboratórios de Estado. Se tem insurgido contra a precariedade na administração pública.

Vale a pena destacar as iniciativas que mais recentemente o PCP tem apresentado sobre valorização da Agricultura Familiar. Projetos já apresentado por duas vezes e as duas rejeitado com a mesma votação - os votos contra de PSD/CDS e abstenção do PS.

Destaco estas, porque são um bom exemplo de como o PCP está atento à realidade que nos rodeias e reflete na sua intervenção a ação, a proposta e a iniciativas do movimento camponês. Estes projetos tiveram origem na aprovação de uma carta da agricultura familiar, no 7º Congresso da CNA e da Agricultura Familiar.

A segunda razão para destacar estes projetos é por a persistência é uma caraterística da intervenção política e parlamentar do PCP. E essa persistência surte, por vezes, efeito. Podemos ver esses efeitos nos aumentos das pensões e reformas este ano depois do PCP ter estado sozinho a exigi-los em 2016. Também em matéria de agricultura familiar, já ouvimos agora o ministério da agricultura dizer que está a trabalhar num programa para esta agricultura.

As propostas que o PCP apresentou revestem-se de características programáticas e são apresentadas sobre a forma de garantias: do direito a produzir; da comercialização, preço dos produtos agroalimentares e rendimento; do financiamento à lavoura e seguros; da assistência técnica, ensino e formação; do direito ao acesso à terra; de uma justa relação fiscal e contributiva com o Estado; da manutenção e reforço da entidade Baldios; das obras e melhoramentos rurais.  

Questões programáticas que se desenvolvem posteriormente em quase 60 medidas concretas, das quais destaco aqui:

- Garantia de escoamento a preços justos à produção familiar;

- A institucionalização do pagamento das produções a pronto ou a curto prazo, para a pequena e média agricultura;

- Regulamentação e fiscalização da atividade dos hipermercados, nomeadamente quanto aos preços praticados; aos prazos de pagamento a fornecedores; e à aplicação de “quotas mínimas de comercialização” de bens agroalimentares de produção nacional e local;

- Combate à especulação dos preços das principais mercadorias e outros fatores de produção (pesticidas, sementes, eletricidade, rações, adubos, combustíveis);

- A regulamentação, contingentação e fiscalização rigorosa, pelo Estado português, das importações de produtos agrícolas, limitando-as e fomentando o aumento da produção nacional;

- Criação de linhas de crédito de campanha para agricultores com fracos recursos económicos e que não possam dar garantias hipotecárias;

- Apoio ao movimento cooperativo, nomeadamente fornecendo crédito que permita o pagamento atempado aos sócios e o desendividamento do sector;

- Reforço do papel do Ministério da Agricultura, com a reabertura dos serviços entretanto encerrados;

- Apoio técnico às organizações da Lavoura, comparticipado, nomeadamente com o funcionamento de um serviço de extensão rural, que dinamize o associativismo agrícola;

- Uma Lei de Arrendamento Rural que garanta rendas economicamente justas e a estabilidade de quem cultiva a terra;

- Baixa da carga fiscal sobre os principais fatores de produção e serviços à lavoura, nomeadamente nos custos energéticos e dos combustíveis e no IVA;

- Reabertura dos serviços públicos entretanto encerrados, designadamente as Juntas de Freguesia, escolas e unidades de saúde;

- Que o Estado dê particular atenção às obras de aproveitamento de águas e de eletrificação rural, melhorando as condições de vida nas nossas aldeias;

- Que as organizações da Lavoura sejam obrigatoriamente ouvidas e consultadas antes de o Governo tomar medidas que lhes digam respeito, conforme manda a Constituição da República Portuguesa.

Camaradas e amigos,

A intervenção parlamentar do PCP em defesa da pequena e média agricultura e do mundo rural é reconhecida, mesmo por muitos que pouco ou nada se revêm no projeto político do PCP. Reconhecem ao PCP a sua capacidade de intervenção e a sua coerência. A capacidade que o Partido tem de ter reflexão, discussão e decisão em matérias agrícolas faz toda a diferença. E o nosso partido é o único que tem essa capacidade. É fácil percecionar nos outros partidos, que a sua intervenção me matéria agrícola depende da sensibilidade ou simpatia deste ou daquele deputado relativamente a esta ou aquela matéria. O PCP é o único partido com uma intervenção estruturado e por isso coerente e consequente.

Mas a verdade é que em muitos sítios esse reconhecimento, essa simpatia pela intervenção do Partido, não se transforma em apoio político à ação do Partido. Depende de cada um de nós transformar a reflecção e ação dos comunistas, do coletivo partidário, em apoio efetivo e fortalecimento do Partido.

Viva a Agricultura Familiar!

Viva o PCP!