Camaradas e amigos,
Estamos no final de mais um, do conjunto de debates que o PCP está a levar a cabo, que o camarada Raimundo Cabral anunciou no início, integrados no programa de comemorações do Centenário da Revolução de Outubro que assinalamos durante todo este ano sob o lema Centenário da Revolução de Outubro – Socialismo, exigência da actualidade e do futuro!
Antes de ir ao tema que hoje aqui nos trouxe, permitam-me duas reflexões sobre estas comemorações.
A primeira para assinalar que o PCP as realiza de cabeça levantada com o orgulho de ser, em Portugal, o herdeiro das melhores tradições de luta dos povos de todo o mundo na sua batalha incessante pela justiça, pelo progresso social e contra a exploração do homem por outro homem., por uma sociedade nova que é aspiração e objectivo da humanidade deste tempos remotos.
Cabeça levantada perante a brutal ofensiva que procura assinalar este centenário não num clima de comemoração, mas de acusação, de censura e mesmo de criminalização dos ideais do socialismo e do comunismo e dos que persistem na luta e na tentativa da sua construção.
Cabeça levantada perante a mentira, a deturpação, a manipulação e revisão histórica desse que foi, como hoje aqui já foi assinalado, o acontecimento maior da história da humanidade no que à autodeterminação dos trabalhadores e dos povos diz respeito.
Cabeça levantada afirmando que a contribuição da Revolução de Outubro, do povo soviético, do Partido Comunista da União Soviética para todos e cada um dos avanços, dos progressos e dos direitos conquistados no século XX, (com o direito à terra à cabeça, assumido do Decreto da Terra aqui apresentado pela camarada Maria da Piedade Morgadinho) é inolvidável e que para a história ficará o que os povos de todo o mundo lhes devem.
Cabeça levantada por fim, porque os erros, os desvios, as traições, que se somaram à brutal ofensiva a que a União Soviética esteve sujeita, e que usou os mais poderosos meios políticos, económicos, militares e ideológicos, não apagam o brilho da contribuição que ela deu para a sobrevivência e o progresso da humanidade.
A segunda nota para assinalar que o lema que o Comité Central do PCP definiu para estas comemorações “Socialismo, Exigência da Actualidade e do Futuro”, tem a marca funda da reflexão que fizemos no XIII Congresso do PCP e prosseguimos em congressos seguintes de que, estando nós no período histórico iniciado pela Revolução de Outubro, de passagem do capitalismo ao socialismo, não obstante o caminho para chegar ao Socialismo se ter revelado mais difícil e tortuoso do que em determinado momento se imaginou, e perante o agravamento da face agressiva, predadora, exploradora e opressiva do capitalismo como resposta à sua crise estrutural, o futuro, por muito que isso custe a muito boas almas, é do socialismo e não do capitalismo e nós reafirmamos o que na altura dissemos de que fomos, somos e seremos comunistas.
Camaradas,
O conjunto de intervenções aqui hoje proferidas, sobre a agricultura e o mundo rural, pela sua profundidade, pelo conhecimento que revelam da realidade, pelos caminhos que apontam dispensariam muito mais palavras.
Farei apenas, portanto, breves sublinhados que parecem oportunos.
Primeiro
Também aqui, nos aspectos que dizem respeito à Agricultura e ao Mundo Rural, as experiências de construção do socialismo na União Soviética e noutros países revelaram a superioridade do sistema socialista, envolvendo dois elementos fundamentais:
- Um, o facto de esses países partirem de situações de um colossal atraso técnico, económico e social, o que exigiu a assunpção de medidas no quadro de uma séria planificação, e de uma profunda determinação para assegurar a alimentação de milhões de seres humanos.
- Outro, a evidência de que esses progressos só foram possíveis porque assentaram em opções de classe, e no envolvimento de amplas massas populares e da militância comunista determinada em construir um país novo das ruínas da herança czarista e das duas guerras mundiais a que estiveram sujeitos.
Segundo sublinhado
No desenvolvimento da agricultura no nosso país nas últimas décadas podemos encontrar traços semelhantes.
De uma agricultura atrasada, que servia, na região norte em larga medida apenas para garantir níveis mínimos de sobrevivência, e em más condições, das populações, e no sul para alimentar a voragem rentista dos agrários do latifúndio, assente na exploração da mão de obra abundante e barata, o 25 de Abril veio abrir novas perspectivas e alargou-se a produção, em especial nos campos do sul, com a Reforma Agrária, mas também no Norte, com o fim dos foros e com novas leis que protegiam os rendeiros, e particularmente com a devolução dos baldios aos povos.
Avanço impetuoso na produção, no emprego e na riqueza criada, só possível pelo envolvimento dos trabalhadores e pela aplicação de medidas de carácter socialista, com particular visibilidade na Reforma Agrária.
O princípio leninista da participação dos trabalhadores na gestão da actividade económica aqui foi notavelmente aplicado com o envolvimento de milhares de operários agrícolas que tomaram nas suas mãos as unidades agrícolas e, em pouco mais de ano e meio transformaram a face do Alentejo, produzindo mais, criando mais emprego, assegurando o desenvolvimento e o progresso.
Terceira nota
A integração capitalista na então CEE, hoje União Europeia, teve, na agricultura nacional consequências desastrosas. A partir do pretexto de que não valia a pena produzir aqui o que seria possível importar mais barato, que escondia a cedência da burguesia nacional, a troco de meia dúzia de patacos, perante as exigências draconianas do centro capitalista, centenas de milhar de explorações foram encerradas, num processo que começou por ser o de pagar para não se produzir e depois, perante o escândalo de tal ignomínia, passou a ser o de pagar sem a obrigação de produzir, introduzindo tais exigências e regras de funcionamento que impedem na prática a produção aos pequenos produtores, sobrando as explorações capitalistas da produção intensiva e super intensiva que assentam a sua dinâmica e pujança empresarial privada no conforto do investimento público de milhares de milhões de euros para lhes facilitar a vida, em regadio, mas não só; nos subsídios milionários que recebem directamente; e agora, de novo, na exploração de mão de obra barata ou mesmo escrava.
Perante o agravamento da crise estrutural do capitalismo que trouxe a miséria, o desemprego, a destruição da capacidade produtiva, o agravamento da exploração, e que encontrou uma agricultura fragilizada, ficaram à evidência que os principais problemas do país, ao contrário do que nos querem vender todos os dias, se encontram nos défices produtivo, científico e cultural.
Tomemos apenas esse exemplo esmagador da produção leiteira, onde o país continua sendo auto-suficiente em produção de leite cru, mas em que, porque estamos sujeitos aos interesses dos grandes produtores do centro e do norte da Europa, com o fim da regulação da produção com as quotas leiteiras, podemos estar condenados ao desaparecimento da produção no continente.
Situação que pode ter paralelo com a produção vinícola. Se no leite inventaram a aterragem suave para acabar com as quotas, que resultou num espalhanço completo com as dramáticas consequências que são conhecidas, aqui decidiram acabar com os direitos de plantação da vinha, mudando-lhe o nome e alargando progressivamente a área plantada, à razão de um por cento ao ano.
O problema é que, tal como no leite, quando um país grande produtor aumenta um por cento a sua produção, aumenta mais que toda a produção várias regiões demarcadas portuguesas.
E quando esses países alargarem de tal modo a produção, e particularmente a partir dos grandes grupos económicos, que têm capacidade, tal como aconteceu no leite, de aguentar prejuízos imediatos para assegurar quota de mercado no futuro, então o excesso de produção terá que ser colocado em algum lado, e Portugal não ficará imune a essa realidade.
Uma União Europeia com as suas regras e a sua moeda ao serviço dos grandes grupos económicos e financeiros, é incompatível com qualquer perspectiva de desenvolvimento do país, sendo um dos constrangimentos sem a remoção dos quais, o país está condenado ao atraso, à dependência, à subalternização dos seus interesses perante interesses terceiros.
Como afirmamos na Campanha “Emprego Produção Soberania, Libertar Portugal da submissão ao Euro”, é indispensável retomar a nossa soberania, para assegurar o presente e o futuro.
Sim camaradas,
Assegurar o futuro implica a ruptura com a política de direita das últimas quatro décadas e a construção de uma outra política, patriótica e de esquerda, que, no plano da agricultura assuma como objectivo central a defesa da nossa soberania alimentar, assente do desenvolvimento da produção nacional, e no apoio à pequena e média agricultura, à agricultura familiar.
Todas as instituições internacionais, da FAO, à União Europeia, fazem juras de amor eterno à agricultura familiar, aos pequenos produtores, aos jovens.
Mas ao mesmo tempo que o fazem todas as suas políticas vão no sentido de lhes criarem maiores dificuldades. E se para os grandes capitalistas agrários, escorrem rios de dinheiros que não têm fim, para a agricultura familiar os apoios contam-se sempre pelas migalhas do costume.
A aplicação coerciva de regras semelhantes para grandes empresas, com volumes de negócio de milhões de euros e para pequenos produtores é um erro colossal.
Repare-se no simples exemplo da obrigatoriedade de emissão de facturas para todos os produtos vendidos.
Como exigir a quem vai vender um ramo de salsa ou um molho de nabiças, ou uma dúzia de ovos, ou uma galinha, ou mesmo um leitão ou um vitelo que tenha a obrigação de ter recibos e depois contabilidade desses recibos, e impostos, e licenças, e vistorias, e seguros, e fiscalizações, e certificação, e o mais que venha. Uma teia burocrática e financeira que tem como objectivo expulsar aqueles que a ela não se adaptam.
E no entanto, a agricultura familiar, é a que ocupa o território, a que garante emprego, a que assegura a produção de alimentos com qualidade, a que defende a diversidade das sementes e das espécies.
Defender a Agricultura familiar, no respeito pelas suas dinâmicas, tradições e formas de produção próprias implica assumir um compromisso com o futuro. Implica assegurar os apoios à produção e o escoamento a preço justo dos bens produzidos.
Foi por ter esse entendimento que o PCP apresentou na Assembleia da República, e voltará a apresentar brevemente o Projecto de Resolução que defende o Estatuto da Agricultura Familiar, que PS, PSD e CDS rejeitaram. É por isso que daqui saudamos o repentino interesse manifestado pelo Governo nesta matéria. Sejam bem vindos.
Quarto registo
No anterior Governo PSD/CDS e também com o actual Governo minoritário do PS, assistimos à tentativa de fazer passar por boa a tese de que o que é fundamental é assegurar o equilíbrio da Balança Alimentar em valor.
Quer isto significar que o País poderia produzir apenas azeite, vinho e hortícolas, para exportação, adquirindo tudo o resto essencial à alimentação humana, no estrangeiro. Tal equação é ainda mais perigosa quando se junta aos cálculos o Eucalipto e a pasta de papel. O país não pode ficar dependente de importações, para assegurar a alimentação humana de toda a população. Desde logo, porque as exportações, por razões de natureza externa podem reduzir-se significativamente (veja-se o que sucedeu com o embargo de alimentos à Rússia), mas também o mercado, por razões climatéricas, geopolíticas ou outras pode não conseguir abastecer o nosso país.
Sendo certo que nem tudo se pode produzir em Portugal, a vida tem mostrado como estava correcto Álvaro Cunhal quando, no Ensaio Sobre a Questão Agrária em Portugal afirmava que o país tinha muito por onde produzir, assim se assegurassem a construção das infraestruturas necessárias – de que Alqueva é um flagrante exemplo, quer de incúria de sucessivos governos, quer de como tinham razão os que nunca deixaram de o reclamar – e se garantam os meios técnicos e humanos para esse objectivo.
Quinta Nota
Promover a agricultura implica o investimento no mundo rural e em políticas de coesão territorial. Não se pode querer que os jovens se instalem na agricultura quando se encerram os serviços públicos, quando não há escolas para os filhos que se quer ter, quando o Centro de Saúde não tem médicos, quando o RX do Hospital não funciona, ou até, quando para pagar as contribuições e impostos é preciso ir ao concelho ao lado, ou quando nem a Caixa Geral de Depósitos, o banco público, resiste.
Assim como não há fixação das pessoas ao interior sem emprego e esse exige investimento público.
Por outro lado, promover a agricultura implica um determinado investimento nos serviços desconcentrados do Ministério da Agricultura, na Investigação agrária, no apoio à sanidade animal, nos serviços de extensão rural. Medidas que aproveitam, em primeiro lugar aos pequenos agricultores, que precisam de aconselhamento técnico e de apoio para assegurar o sucesso das suas explorações.
Sexta nota
Realizamos esta iniciativa num momento em que se começam a desenhar os debates sobre a Reforma da PAC para o período de 2020 a 2027.
Sobre esta matéria quero destacar dois ou três aspectos.
Em primeiro lugar importa dizer que o ponto de partida para este debate, é o cortejo de dificuldades com que se deparam os agricultores portugueses, esmagados entre os custos dos factores de produção em ascensão galopante, em boa medida em resultado da concentração em monopólios, como é o caso dos adubos e das sementes ou da concertação de preços como é evidente nos combustíveis, e os preços pagos pelos seus produtos, designadamente pela grande distribuição, que hoje domina quase em absoluto, o mercado. Fruto das dinâmicas de concentração capitalista, os pequenos agricultores recebem hoje, de acordo com dados oficiais, apenas 15€ em cada 100 gastos pelos consumidores.
Por outro lado, sendo evidente o crescimento de produções como os hortícolas, o azeite ou os frutos vermelhos, o país depara-se com uma balança de pagamentos no sector agroalimentar, com um défice de quase 3 mil milhões de euros, com situações gritantes, designadamente na produção de cereais, e de trigo em particular cuja produção nacional apenas consegue corresponder às necessidades de 13 dias do ano, ou a produção pecuária, mesmo que se diga que uma boa parte do Alentejo não está ao abandono porque aí se cria gado em sistema extensivo.
Em terceiro lugar, a avaliação que fazemos das sucessivas reformas da PAC é clara – elas representam a ruína da agricultura nacional, porque insistem na liberalização total dos mercados e das produções, porque, a pretexto do apoio à competitividade, eternizam as injustiças na distribuição de apoios entre países e produções e porque mantém o essencial dos apoios desligados da produção, na base da área declarada, o que beneficia de forma escandalosa os maiores proprietários. Assim se compreende que apenas 7% dos beneficiários dos apoios receba 85% dos mesmos.
É nesse quadro que insistimos nos princípios que temos vindo a defender ao logo dos anos:
1- A PAC tem de assegurar os meios financeiros para ressarcir os pequenos países periféricos pelos prejuízos causados pelas opções dos últimos anos;
2 – As ajudas da PAC têm de estar ligadas à produção e ser condicionadas a ela. Não é defensável que quem não produza nada, quem tenha as terras a monte, receba envelopes financeiros que um pequeno produtor jamais conseguirá ganhar em toda a sua vida;
3 – Deve ser assegurado a justa distribuição entre produtores, países, regiões e produções das ajudas da PAC, que devem ser moduladas e plafonadas;
4 – A PAC deve ter como objectivo central assegurar as condições para que cada país possa garantir a sua soberania e segurança alimentares, incentivando ao significativo aumento da produção agrícola, a partir do apoio à agricultura familiar.
Sétima Nota
Realizando este debate aqui, em Évora, bem perto do local onde, em 9 de Fevereiro de 1975, Álvaro Cunhal, no encerramento da I Conferência de Trabalhadores Agrícolas do Sul, perante mais de 30 mil pessoas, anunciava a grande e definitiva arrancada para a Reforma Agrária nos campos do Sul, importará dizer ainda duas palavras sobre a magna questão da posse e do uso da terra.
Em primeiro lugar para sublinhar que a Reforma Agrária nos campos do Sul, a mais bela conquista da Revolução, foi, pela sua prática, pelos seus resultados e pela ofensiva a que esteve sujeita, o mais cabal exemplo do que é preciso fazer para aumentar a produção e o emprego e para assegurar o desenvolvimento.
Em segundo lugar para referir que a questão da posse e do uso da terra está hoje, de novo, colocada na ordem do dia quando assistimos à concentração de terra e quando, de novo, ao lado de terras ao abandono ou subaproveitadas subsistem o desemprego, os braços caídos, e o défice da produção.
Tal coloca, com toda a actualidade a Reforma Agrária como exigência da actualidade e do futuro.
Camaradas,
Nestes dias em que nos batemos por assegurar, nesta nova fase da vida política nacional, a reposição, defesa e conquista de direitos, em que com a acção do nosso Partido, com o desenvolvimento da luta de massas, como na grandiosa jornada do 1º de Maio e nas Manifestações convocadas pela CGTP-IN para dia 3 de Junho, com o envolvimento de democratas e patriotas, fazemos o caminho da acumulação de forças necessárias à construção da alternativa patriótica e de esquerda,
Este debate foi bem o espelho da forma como queremos celebrar durante todo o ano o Centenário da Revolução de Outubro. Comemorações ligadas à vida, aos problemas e aspirações dos trabalhadores e do povo, afirmando o nosso programa de uma democracia avançada com os valores de Abril no futuro de Portugal, fase constitutiva da luta pelo socialismo.
E afirmando que tal como fizeram os comunnards de Paris no final do século XVII, ao longo de 70 dias e os bolcheviques na União Soviética ao longo de 70 anos no século XX, sabemos que, guiados pela ideologia marxista leninista, todos os dias trabalhamos para garantir que, mais cedo que tarde, o socialismo seja não só sonho, utopia e projecto, mas seja uma realidade na vida da humanidade.