A Revolução de Outubro foi o momento e o processo mais importante na luta emancipadora dos povos que deu início à época histórica que vivemos – a da transição ao socialismo. As derrotas das primeiras experiências de construção do socialismo foram acompanhadas de uma ofensiva que tentou colocar o socialismo no banco dos réus. Mas o que a actualidade revela é que quem está no banco dos réus da realidade e da história é o capitalismo – corroído por uma profunda crise e acentuando cada vez mais a sua natureza exploradora, opressora, predadora e agressiva. A necessidade da superação revolucionária do capitalismo é determinada pela própria realidade. O século XXI será o século da continuação dessa luta.
I
A reflexão e a acção em torno do sonho milenar da humanidade de pôr fim à exploração do homem pelo homem adquire hoje uma grande centralidade e premência em função dos crescentes perigos resultantes do domínio do capitalismo na sua fase imperialista. Perigos que, no contexto do aprofundamento da crise estrutural do capitalismo, estão a pôr em causa várias conquistas e progressos alcançados na caminhada histórica da luta dos povos e a ameaçar de forma cada vez mais evidente o futuro da própria Humanidade.
A Revolução de Outubro foi sem sombra de dúvida o momento e o processo mais importante na luta emancipadora dos povos. Se a falência dos sistemas primitivos de exploração como o feudalismo ou esclavagismo, e as lutas que nesses contextos tiveram lugar, constituíram saltos importantes na evolução humana, essa evolução nunca conseguiu pôr em causa a questão central da exploração do homem pelo homem. Foi com a Revolução de Outubro que povos inteiros se lançaram na materialização desse objectivo, inaugurando-se a época histórica em que vivemos - a da transição ao socialismo.
As experiências de construção do socialismo na URSS e no Leste da Europa foram experiências pioneiras que, à escala da História mundial, demoraram um curtíssimo espaço de tempo, sobretudo se comparadas com os séculos que nos separam do surgimento do capitalismo nas suas formas primitivas. Mas mesmo nesse “minuto histórico” conseguiram avanços e conquistas de enorme importância e amplitude que o capitalismo, em toda a sua história, não conseguiu garantir ou manter, e que pelo contrário tenta sistematicamente negar ou destruir.
Essas experiências introduziram alterações de fundo no embate histórico entre exploradores e explorados. A luta de classes adquiriu novas formas, nomeadamente no plano do poder económico e político, da arrumação de forças, do papel do sujeito revolucionário, do papel do Estado e do relacionamento entre Estados. O seu exemplo abriu perspectivas inéditas de luta na superação do capitalismo.
A existência da União Soviética pôs verdadeiramente em causa a sobrevivência do capitalismo como sistema mundial, e a guerra declarada, desde o primeiro minuto, à jovem URSS, bem como o enormíssimo arsenal de articulações imperialistas internacionais, exércitos, serviços secretos, operações, meios e quadros que durante décadas tiveram como única tarefa derrubar as primeiras experiências de construção do socialismo, são elas também uma demonstração da real natureza do capitalismo.
O resultado desse embate histórico é conhecido. Apesar das extraordinárias conquistas e realizações, da sua enorme influência mundial, da demonstração da superioridade sobre o capitalismo, a URSS desapareceu e o socialismo sofreu pesadas derrotas no Leste da Europa.
II
Após a desintegração da URSS o imperialismo lançou-se numa violenta ofensiva ideológica em torno o fim da História e da vitória final do capitalismo. Era o tempo de teses como as de Fukuyama que afirmavam que o mundo tinha chegado a uma espécie de “ponto culminante da evolução” em que a “democracia liberal” como sistema político e o “livre mercado” como sistema económico eram vencedores “naturais” e absolutos. As contradições entre classes terminariam – e, portanto, os Partidos comunistas seriam extintos – assim como terminariam as singularidades e competições entre nações. O futuro seria então de progresso, paz e abundância. A concentração de capital jorraria como cascata para a humanidade pela mão invisível do mercado. A potência hegemónica determinaria as formas de governo mundial. Era o tempo da nova ordem mundial, proclamada em 1991, por George Bush, em plena guerra do Golfo e, uma década mais tarde, da “Globalização” e da “Aldeia Global”.
O Socialismo foi colocado no banco dos réus, e o objectivo era e é simples: eliminar da consciência humana a possibilidade de um sistema alternativo ao capitalismo, tornando quer o sistema dominante quer o poder imperialista inquestionáveis.
Mas quando os dogmas da vitória final ignoraram duas questões centrais:
A primeira é a realidade. O primeiro Estado socialista do Mundo pode ter desaparecido, mas não desapareceu nem a exploração, nem a luta de classes, e muito menos as contradições do capitalismo inerentes à sua natureza de classe – desde logo a contradição principal entre o carácter social da produção (cada vez mais socializada), e a apropriação privada dos meios de produção (cada vez mais concentrados). Quanto mais se desenvolve, mais o capitalismo atrofia o desenvolvimento das forças produtivas, instrumentalizando as conquistas da ciência e da técnica em função da acumulação e não do desenvolvimento e progresso.
A segunda é que o capitalismo e irreformável. Contrariamente às teses de um aperfeiçoamento do capitalismo, livre do confronto com um sistema antagónico – teorias tão queridas à social democracia e às correntes revisionistas – o que a realidade demonstrou, e demonstra, é que o desenvolvimento do capitalismo aprofunda todas as suas próprias contradições, intensifica a opressão, alimenta a guerra e acentua as contradições entre classes e países – veja-se, por exemplo, o actual processo de rearrumação de forças que envolve não só países que afirmam como objectivo a construção de sociedades socialistas, mas também países com estruturas socio-económicas e governos de natureza capitalista.
Mas mais, o desenvolvimento do capitalismo faz explodir rivalidades dentro do próprio campo imperialista, nomeadamente dentro das estruturas imperialistas de coordenação como é hoje bem patente, por exemplo, com a crise na e da União Europeia ou com as expressões emergentes de uma crise dos sistemas de representação política nos principais centros imperialistas.
III
Passados pouco mais de 25 anos da proclamação da derrota do socialismo e da vitória final do capitalismo, a realidade demonstra que o PCP tinha toda a razão quando afirmou, há 25 anos atrás, no seu XIV Congresso, que «A desintegração da URSS e o colapso dos regimes socialistas do leste da Europa nos últimos anos, parecem abrir ao imperialismo (…) um novo e imenso campo de expansão. Contudo, se se abre uma nova zona à expansão do capitalismo, também nela se tornarão extremamente agudas as contradições e flagelos do capitalismo».
A realidade aí está, fulgurante, a dar-nos razão.
O paraíso da abundância, do progresso e da paz foi imediatamente desmentido nos ex-países socialistas onde a restauração capitalista se saldou num enorme desastre económico e social. Mais de 100 milhões de pessoas atiradas para a pobreza em meia dúzia de anos; uma diminuição drástica da esperança média de vida; e uma gigantesca recessão com contracções do PIB e da produção industrial na ordem dos 50% - estes são apenas três exemplos das terríveis consequências da restauração capitalista naqueles países a que se somam as actividades criminosas, as guerras imperialistas - como na Ex-Jugoslávia - e a instauração de regimes ditatoriais e mesmo fascistas como actualmente na Ucrânia.
No plano mundial a actualidade prova que apesar das profundas transformações e recuperações porque tem passado, e apesar de ter tido nas quase três últimas décadas o “campo aberto” para o seu domínio hegemónico e para o desenvolvimento das forças produtivas, o capitalismo mantem as suas características e no aprofundamento da sua crise estrutural lança-se em ainda mais violentos processos de concentração de riqueza e de regressão de direitos sociais e laborais, em alguns casos típicos do seculo XIX.
No plano social os grandes números falam por si. Entre 1988 e 2011 os rendimentos do 1% da população mais rica do mundo (que detêm hoje 99% da riqueza mundial) cresceu a um ritmo 182 vezes superior aos rendimentos dos 10% mais pobres. Sete em cada dez países do Mundo viram nos últimos 30 anos aumentar a sua desigualdade de rendimentos. Esta desigualdade disparou nos últimos cinco anos, conduzindo-nos a esse dado que tanto revela da natureza do capitalismo: 8 pessoas detêm a mesma riqueza que 3 mil e seiscentos milhões de pessoas, metade da Humanidade.
É essa natureza exploradora do capitalismo que está na origem de enormes flagelos sociais. Segundo dados oficiais da OIT 200 milhões de pessoas estão desempregadas, dados que não contemplam os desempregados não registados e o trabalho informal. Cerca de metade de todos os trabalhadores do mundo têm um trabalho precário ou informal e - dado gritante em pleno século XXI - existem quarenta e seis milhões de escravos no Mundo, segundo dados oficiais.
É a natureza do sistema capitalista que faz com que, existindo recursos para garantir a alimentação, a saúde, e emprego e rendimentos à totalidade da população mundial, mais de 800 milhões de pessoas passem fome e um em cada três seres humanos viva oficialmente abaixo do limiar da pobreza definido pela ONU.
Um sistema em que os países mais desenvolvidos, mais ricos e mais fortes, dominam e mantêm sob seu domínio os países mais pobres e mais fracos, provocando fossos abismais de desenvolvimento entre diferentes zonas do globo que estão na origem de parte da enorme vaga de refugiados e migrantes forçados que hoje marca a realidade mundial
Um sistema que corroído pelo declínio das suas principais potências aposta cada vez mais no militarismo e na guerra para contrariar essa tendência. Um sistema que é preciso lembrar, já foi responsável por duas guerras mundiais, por inúmeros conflitos, agressões, genocídios, limpezas étnicas, guerras regionais, pelo holocausto nuclear em Hiroshima e Nagasaki, pelo desenvolvimento do terrorismo e por uma constante política de ingerências e ameaças e de imposição aos povos e nações da vontade e interesses dos mais poderosos.
Um sistema que evidencia cada vez mais o seu carácter decadente e criminoso em que as actividades ilegais e criminosas são fenómenos de imensa dimensão intrínsecos ao próprio sistema de poder. Um sistema que põe de forma cada vez mais evidente em causa a própria democracia, e que com o aprofundamento da crise dos sistemas burgueses de representação política, e perante a emergência da revolta popular, recorre de forma crescente ao populismo e ao fascismo.
IV
A história aí está a provar que 100 anos passados sobre a Revolução Socialista de Outubro quem está no banco dos réus não é o Socialismo e a luta revolucionária. É antes o capitalismo que apesar de decadente enquanto sistema é um enorme perigo para toda a Humanidade. 100 anos passados, não é o socialismo e o ideal comunista que estão derrotados. É antes a realidade, o próprio desenvolvimento das forças produtivas e a luta dos povos que condenará o capitalismo a uma derrota historicamente inevitável.
O que marca o século XX e o início do Séc XXI não é qualquer superioridade do capitalismo, mas sim a necessidade histórica de dar continuidade à luta pela superação revolucionária do capitalismo e pela construção do socialismo, de acordo com as vias, etapas e condições que cada realidade concreta determina. O século XX não foi o século do “fim do comunismo”, mas sim o século do nascimento do comunismo na sua fase socialista, com a concretização e edificação de uma nova sociedade visando o bem-estar e a felicidade do ser humano. O Século XXI será o da continuação dessa luta.