Camaradas e amigos,
Ao assinalar os 100 anos da Revolução de Outubro de 1917, o PCP e outros partidos comunistas e dos trabalhadores, não pretendem fazê-lo como se fosse uma simples efeméride. Fazem-no para manter vivos os ideais de transformação e de justiça social do socialismo e do comunismo, combatendo ao mesmo tempo todos os que pretendem varrer da história a primeira experiência de construção de uma sociedade mais justa sem explorados nem exploradores, alternativa à barbárie do capitalismo.
As comemorações visam também combater os falsificadores da história de todos os matizes:
Falsificadores que partem do princípio de que a revolução deveria ter sido um processo quimicamente puro, sem obstáculos nem erros, sem sacríficos, ignorando a reacção violenta e armada dos latifundiários e grandes capitalistas numa sangrenta guerra civil; ignorando a invasão da Rússia pelas potências imperialistas em apoio à contra-revolução. Subtraindo a revolução do contexto social e político da época na Rússia e no mundo. A grande guerra inter-imperialista de 1914-1918, o esmagamento feroz de revoluções na Alemanha e na Hungria e do ascenso do fascismo italiano, do nazismo alemão e do militarismo japonês.
Falsificadores da história que mentem descaradamente, nos tempos que correm a coberto dos chamados conceitos pós-modernos, pós-verdade ou dos factos alternativos, assumidos como ideologias ao nível dos estados.
Mas a todos estes falsificadores da história podemos responder com factos: com as grandes realizações e conquistas dos trabalhadores de toda a humanidade impulsionadas pela grande revolução.
A verdade é que Revolução de Outubro abalou o mundo. Como afirma o jornalista norte-americano John Reed no título do seu conhecido livro, referindo-se aos seus primeiros dez dias.
Mas pode afirmar-se que as ondas de choque da revolução russa de 1917 com as suas realizações económicas, sociais, culturais, cientificas e militares, a sua ideologia e política de solidariedade internacionalista, se mantiveram, e continuaram a abalar o mundo por largas décadas e a provocar avanços progressistas profundos na história da humanidade até à derrota do socialismo na URRS, em 1991.
Não é possível falar-se da conquista dos direitos laborais e sociais dos trabalhadores russos com a revolução, e nos países que posteriormente empreenderam a construção do socialismo, bem como dos direitos conquistados nos países capitalistas pelos trabalhadores sob a influência dessa revolução, desligando-os de outras conquistas fundamentais dos trabalhadores e dos povos com origem na mesma força propulsora.
Os revolucionários russos partiram da ideologia de Marx e Engels, da herança histórica da experiência da Comuna de Paris que, desenvolvidas por Lenine puseram em prática.
À época o marxismo era uma doutrina divulgada e assumida em muitos países por parte do proletariado, e o êxito da sua aplicação prática na Rússia ajudou ainda a divulga-la aina mais. E despertou entusiamos e espectativas com consequências mobilizadoras e de organização nas lutas laborais e políticas travadas pelo operariado europeu e americano, traduzidas também em acções de apoio e solidariedade para com a revolução na Rússia.
As primeiras medidas do poder revolucionário visam por em prática aspectos fundamentais inscritos no Manifesto do Partido Comunista de 1848 e nos documentos programáticos da AIT-Associação Internacional dos Trabalhadores.
4 Dias após o assalto ao Palácio de Inverno e depois de promulgados os decretos da paz e da terra é publicado o decreto das 8 horas de trabalho diário no máximo; prevê interrupções do trabalho para descansar e tomar as refeições, dia e meio de descanso semanal, férias pagas, interdição do trabalho a menores de 14 anos, e um máximo de 6 horas de trabalho para os jovens entre os 14 e os 18 anos. A lei salvaguarda ainda o emprego das mulheres durante o período da gravidez e durante o primeiro ano de vida dos filhos; licença de maternidade de 8 semanas antes e 8 semanas depois do parto; dispensa para amamentação e subsídio de aleitamento; medidas especiais de protecção e apoio às mães adolescentes.
É consagrado o princípio de para trabalho igual salário igual e o fim das discriminações entre homens e mulheres.
O Primeiro de Maio foi declarado feriado nacional em 1920.
Estamos a falar de leis publicadas há 100 anos num país com mais de 100 milhões de habitantes na sua grande maioria analfabetos e onde a revolução acabava de derrubar um poder e uma sociedade semifeudais.
Não seria necessário mais nenhum exemplo de direitos laborais, embora haja muitos mais, para exemplificar os objectivos de justiça social da revolução russa e para sobressaltar a consciência de centenas de milhões de homens, mulheres e jovens por esse mundo fora.
As mulheres russas que haviam entrado em força no trabalho das fábricas devido ao envio dos homens para a guerra tiveram um papel da máxima importância nas grandes greves e manifestações que antecederam a revolução exigindo o fim da guerra pão e paz.
Foram as primeiras no mundo a conquistar o direito de elegerem e serem eleitas. Alexandra Kolontai foi a primeira mulher ministra no mundo, assumindo em 1917 a pasta dos assuntos sociais. O aborto foi despenalizado por decreto de 1920. E a prostituição deixou de ser penalizada sendo-o apenas o negócio em torno da sua exploração.
Com o decorrer da construção do socialismo os direitos laborais e sociais alargaram-se rapidamente nos países onde se iniciara essa construção. O analfabetismo foi erradicado, o direito ao trabalho foi garantido, o pleno emprego foi conseguido de forma estável, a saúde e os medicamentos gratuitos para todos os cidadãos tornaram-se realidade, bem como a protecção na invalidez e na velhice. O direito à habitação veio a ser concretizado, e os gastos com esta na URSS fixaram-se em média nos 2% do salário.
Os cidadãos passaram a poder usufruir do ensino, do desporto e da cultura de forma acessível e massiva elevando os povos da ex-URSS ao nível dos mais instruídos e cultos do mundo.
A revolução russa assumiu desde o primeiro dia um papel de vanguarda na garantia por parte do Estado de direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos.
O ódio de classe inspirado pela revolução nas classes possidentes do mundo inteiro revelou-se de imediato no apoio à contra-revolução interna durante a guerra civil e na invasão da Rússia por parte das principais potências imperialistas.
Vencidos na guerra, o medo do efeito de contágio através do exemplo das conquistas obtidas pelos trabalhadores com o socialismo juntou-se a esse ódio. Na verdade, milhões de excluídos da participação social e política tornaram-se cidadãos de corpo inteiro e activos na defesa dos seus direitos e das suas pátrias.
O terremoto de longa duração continuou a abalar o mundo. A URSS fortaleceu-se de tal modo com a construção do socialismo que veio a assumir o papel decisivo na derrota da barbárie do nazi-fascismo na II Grande Guerra Mundial e a criar equilíbrio estratégico militar entre os dois sistemas sociais em confronto. O capitalismo e o socialismo.
A URSS foi pioneira em diversos campos da ciência com destaque para a conquista do cosmos em que os soviéticos foram os primeiros a colocar satélites em órbita da terra, a enviar o primeiro homem e a primeira mulher para o espaço e a construírem uma estação espacial, a MIR.
Com a solidariedade internacionalista dos países socialistas nasceram e desenvolveram-se movimentos de libertação nacional que levaram à queda dos impérios coloniais na Ásia e em África e à libertação de dezenas de povos das garras da influência imperialista.
Logo nos primórdios da revolução a sua influência nos países capitalistas levou à constituição de partidos comunistas e outros partidos revolucionários e progressistas e fortaleceu os sindicatos e a sua capacidade reivindicativa.
A classe operária portuguesa não fugiu à regra. A informação que chegava através dos jornais burgueses era difusa. Mesmo assim foi suficiente para gerar e mobilizar uma corrente de apoio e solidariedade para com a revolução russa e ensaiar a criação de organizações revolucionárias. Um núcleo de revolucionários quase todos sindicalistas, fundaram o PCP em 1921.
Pouco depois da fundação do Partido, um desses sindicalistas, Francisco Perfeito de Carvalho, primeiro Secretário-geral da UON fundada em 1914, partiu clandestinamente para Moscovo, em Junho de 1922, a fim de participar no congresso constituinte (I) da ISV. Levava a incumbência de fazer um relatório a apresentar à central sindical quando regressasse a Lisboa. De Berlim, no regresso, enviou à CGT e ao PCP as regras para a recolha de apoios solidários para com o povo russo, estando assim ligado à criação do organismo que se viria a designar Socorro Vermelho.
Foi um sindicalista comunista, Carlos Rates, o primeiro Secretário-geral do PCP eleito, no I congresso do Partido em 1923 quem escreveu e editou um livro sobre o conjunto de problemas implicados pela revolução russa de 1917. Carlos Rates, que mais tarde viria a abandonar o Partido e a trabalhar no “Diária da Manhã” jornal oficial do regime fascista, escreveu o livro “A Rússia dos Sovietes” depois de uma visita que fez á pátria do socialismo no ano de 1924.
Foi outro sindicalista, Bento Gonçalves, presidente do Sindicato do Arsenal da Marinha quem chefiou a delegação portuguesa às comemorações do 10º aniversário da revolução, realizadas em Moscovo, no ano de 1927. Na ocasião ainda não era membro do Partido, e afirma, na intervenção que ali fez, que representava comunistas, socialistas, anarquistas e outros. Mas viria a sê-lo a curto prazo após o seu regresso.
Bento Gonçalves foi eleito Secretário-geral do Partido na conferência de organização de 1929 e foi ele que conduziu a reorganização que veio dar ao partido as características do Partido de Novo Tipo preconizadas por Lenine para os partidos comunistas.
Bento Gonçalves terá sido o primeiro dirigente operário português a adquirir um conhecimento aprofundado da teoria do marxismo-Leninismo e a ser capaz de a interpretar e transpor para a acção concreta. Sob a sua direcção o Partido Comunista Português ficou preparado para actuar na clandestinidade e resistir e combater o fascismo até à sua derrota em 25 de Abril de 1974.
A influência da revolução russa na reorganização do operariado mundial não foi de menor importância para a conquistas de direitos laborais sociais e políticos nos países capitalistas do que o exemplo dos direitos proporcionados pelo socialismo.
Grandes greves e outras acções de massas, em Portugal dirigidas directamente ou influenciadas pelo Partido durante todo o período fascista, e durante a própria revolução do 25 de Abril de 1974 levaram o patronato a assinar convenções colectivas com melhores horários, salários, condições de higiene e saúde no trabalho e garantias de protecção social, obrigando os governos a transporem esses direitos para as leis gerais, e no caso português, os deputados constituintes, a consagrá-las na constituição de 1976.
A dinâmica do exemplo e o medo de que os trabalhadores e os povos optassem pelo sistema socialista pressionaram os governos dos países capitalistas desenvolvidos a alargar as funções socias do Estado, em particular nos domínios da saúde, da protecção social no desemprego, na velhice, na educação e na cultura.
Nos dias de hoje, 100 anos depois, numa época em que por força da derrota do socialismo na Europa de Leste e na URSS nos anos 89/91, o imperialismo se encontra numa contra-ofensiva de recolonização e de promoção da regressão social mundial. Há um retrocesso generalizado dos direitos conquistas. E condições de trabalho mais penosas, algumas semelhantes às do século XIX são impostas de novo aos trabalhadores.
Focos de guerra acendem em várias partes do mundo, atingindo de novo a Europa, e alargando-se na Ásia e em África. A morte e a fome instalam-se em vários países ao som dos tambores de guerra rufados pela comunicação social dos grandes grupos económicos. O capitalismo volta a estimular uma possível via nazi-fascista para responder à situação de crise profunda em que se encontra.
Mas há povos que resistem às agressões, outros que se reorganizam, acumulam forças e estabelecem alianças para enfrentar as forças do retrocesso civilizacional.
Às forças do trabalho revolucionárias e progressistas cabe-lhes também a reorganização, o reforço e a acção, tendo presente que os ideais e objectivos do socialismo como futuro para a humanidade continuam válidos.
O exemplo da Grande Revolução de Outubro de 1917 demonstra que a vitória dos explorados e dos povos é possível mesmo em condições extremamente desfavoráveis à sua luta.
Viva a Revolução de Outubro de 1917!
Viva o socialismo!