centenario | A revolução de Outubro e os direitos do trabalhadores

Intervenção de Américo Nunes

Lida por Ana Valente

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Intervenção de Américo Nunes

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Camaradas e amigos,

Estarmos hoje a falar da Revolução de Outubro não é assinalarmos apenas uma efeméride. Não é por acaso que o capitalismo nacional e internacional publicam milhares de livros, fazem filmes, editam jornais a diabolizar e a denegrir a primeira experiência de construção do socialismo exacerbando os seus erros e dificuldades de percurso, ignorando, mentindo, e falsificando a história sobre seus feitos extraordinários.

Nós sabemos que a história é um importante terreno de luta ideológica. Mas os capitalistas também o sabem. Quando elaborava este texto deparei-me com uma das falsificações mais grotescas que já vira. É conhecido e reconhecido por factos indesmentíveis que o povo soviético sofreu as maiores perdas fez os maiores sacrifícios durante a II Grande Guerra e que o seu exército vermelho deu o contributo decisivo para vitória da civilização sobre a barbárie nazi-fascista.

Pois há um académico que elabora toda uma tese pretensamente demonstrativa de que a URSS fora a responsável pela II grande guerra mundial. Só há uma explicação para mentiras deste calibre e para a histeria anti-comunista do capitalismo.

Eles continuam ter medo do exemplo do socialismo.

Nós, comunistas, assinalamos os 100 anos da revolução para homenagearmos todos os construtores de um dos maiores feitos da história da humanidade, para mantermos vivos os ideais de transformação e de justiça social do socialismo e do comunismo, e para combater os falsificadores da história, a quem podemos responder com factos, com a enumeração das grandes conquistas e realizações dos trabalhadores directa ou indirectamente impulsionadas pela grande revolução.

A Revolução de Outubro abalou o mundo. Como afirma o jornalista norte-americano John Reed no título do seu conhecido livro, referindo-se aos seus primeiros dez dias.

Mas pode afirmar-se que as ondas de choque da revolução russa de 1917 com as suas realizações económicas, sociais, culturais, cientificas e militares, a sua ideologia e política de solidariedade internacionalista, se mantiveram, e continuaram a abalar o mundo por largas décadas e a provocar avanços progressistas profundos na história da humanidade até à derrota do socialismo na URRS, em 1991.

Não é possível falar-se da conquista dos direitos laborais e sociais dos trabalhadores russos com a revolução, e nos países que posteriormente empreenderam a construção do socialismo, bem como dos direitos conquistados nos países capitalistas pelos trabalhadores sob a influência dessa revolução, desligando-os de outras conquistas fundamentais dos trabalhadores e dos povos com origem na mesma força propulsora.

As primeiras medidas do poder revolucionário visam terminar a guerra, fazer a paz, e por em prática aspectos fundamentais inscritos no Manifesto do Partido Comunista de 1848 e nos documentos programáticos da AIT-Associação Internacional dos Trabalhadores.

4 Dias após o assalto ao Palácio de Inverno e depois de promulgados os decretos da paz e da terra é publicado o decreto das 8 horas de trabalho diário no máximo; prevê interrupções do trabalho para descansar e tomar as refeições, dia e meio de descanso semanal, férias pagas, interdição do trabalho a menores de 14 anos, e um máximo de 6 horas de trabalho para os jovens entre os 14 e os 18 anos. A lei salvaguarda ainda o emprego das mulheres durante o período da gravidez e durante o primeiro ano de vida dos filhos; licença de maternidade de 8 semanas antes e 8 semanas depois do parto; dispensa para amamentação e subsídio de aleitamento; medidas especiais de protecção e apoio às mães adolescentes.

É consagrado o princípio de, para trabalho igual, salário igual e o fim das discriminações entre homens e mulheres.

O Primeiro de Maio foi declarado feriado nacional em 1920.

Não seria necessário mais nenhum exemplo de direitos laborais, embora haja muitos mais, para exemplificar os objectivos de justiça social da revolução russa e para sobressaltar a consciência de centenas de milhões de homens, mulheres e jovens por esse mundo fora.

Com o decorrer da construção do socialismo os direitos laborais e sociais alargaram-se rapidamente nos países onde se iniciara essa construção. O analfabetismo foi erradicado, o direito ao trabalho foi garantido, o pleno emprego foi conseguido de forma estável, a saúde e os medicamentos gratuitos para todos os cidadãos tornaram-se realidade, bem como a protecção na invalidez e na velhice. O direito à habitação veio a ser concretizado, e os gastos com esta na URSS fixaram-se em média nos 4% do salário.

Os cidadãos passaram a poder usufruir do ensino, do desporto e da cultura de forma acessível e massiva elevando os povos da ex-URSS ao nível dos mais instruídos e cultos do mundo.

A revolução russa assumiu desde o primeiro dia um papel de vanguarda na garantia por parte do Estado de direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos.

O ódio de classe inspirado pela revolução nas classes possidentes do mundo inteiro revelou-se de imediato no apoio à contra-revolução interna durante a guerra civil e na invasão da Rússia por parte das principais potências imperialistas.

Vencidos na guerra, o medo do efeito de contágio através do exemplo das conquistas obtidas pelos trabalhadores com o socialismo juntou-se a esse ódio. Na verdade, milhões de excluídos da participação social e política tornaram-se cidadãos de corpo inteiro e activos na defesa dos seus direitos e das suas pátrias.

O terremoto de longa duração continuou a abalar o mundo. A URSS fortaleceu-se de tal modo com a construção do socialismo que resistiu à invasão imperialista alemã, saiu dela vitoriosa, e perante a nova ameaça da guerra-fria conseguiu equilíbrio estratégico militar entre os dois sistemas sociais em confronto. O capitalismo e o socialismo.

Com a solidariedade internacionalista dos países socialistas nasceram e desenvolveram-se movimentos de libertação nacional que levaram à queda dos impérios coloniais na Ásia e em África e à libertação de dezenas de povos da exploração imperialista.

Logo nos primórdios da revolução a sua influência nos países capitalistas levou à constituição de partidos comunistas e outros partidos revolucionários e progressistas e fortaleceu os sindicatos e a sua capacidade reivindicativa.

A classe operária portuguesa não fugiu à regra. A pouca e distorcida informação chegou para mobilizar uma corrente de apoio e solidariedade para com a revolução russa e ensaiar a criação de organizações revolucionárias. Um núcleo de revolucionários quase todos sindicalistas, fundaram o PCP em 1921.

Pouco depois da fundação do Partido, um desses sindicalistas, Francisco Perfeito de Carvalho, primeiro Secretário-geral da UON fundada em 1914, partiu clandestinamente para Moscovo, em Junho de 1922, a fim de participar no congresso constituinte da ISV. Levava a incumbência de fazer um relatório a apresentar à central sindical quando regressasse a Lisboa. De Berlim, no regresso, enviou à CGT e ao PCP as regras para a recolha de apoios solidários para com o povo russo, estando assim ligado à criação do organismo que se viria a designar Socorro Vermelho.

Foi outro sindicalista, Bento Gonçalves, presidente do Sindicato do Arsenal da Marinha quem chefiou a delegação portuguesa às comemorações do 10º aniversário da revolução, realizadas em Moscovo, no ano de 1927. Na ocasião ainda não era membro do Partido, e afirma, na intervenção que ali fez, que representava comunistas, socialistas, anarquistas e outros. Mas viria a sê-lo a curto prazo após o seu regresso.

Bento Gonçalves foi eleito Secretário-geral do PCP na conferência de organização de 1929 e foi ele que conduziu a reorganização que veio dar ao partido as características do Partido de Novo Tipo preconizadas por Lenine para os partidos comunistas.

Bento Gonçalves terá sido o primeiro dirigente operário português a adquirir um conhecimento aprofundado da teoria do marxismo-Leninismo e a ser capaz de a interpretar e transpor para a acção concreta. Sob a sua direcção o Partido Comunista Português ficou preparado para actuar na clandestinidade e resistir e combater o fascismo até à sua derrota em 25 de Abril de 1974.

A influência da revolução russa na reorganização do operariado mundial não foi de menor importância para a conquistas de direitos laborais sociais e políticos nos países capitalistas do que o exemplo dos direitos proporcionados pelo socialismo.

Grandes greves e outras acções de massas, em Portugal dirigidas directamente ou influenciadas pelo Partido durante todo o período fascista, e durante a revolução do 25 de Abril de 1974 levaram o patronato a assinar convenções colectivas com melhores horários, salários, condições de higiene e saúde no trabalho e garantias de protecção social, obrigando os governos a transporem esses direitos para as leis gerais, e no caso português, os deputados constituintes, a consagrá-las na constituição de 1976.

A dinâmica do exemplo e o medo de que os trabalhadores e os povos optassem pelo sistema socialista pressionaram os governos dos países capitalistas desenvolvidos a alargar as funções socias do Estado, em particular nos domínios da saúde, da protecção social do desemprego, na velhice, na educação e na cultura.

Nos dias de hoje, 100 anos depois, numa época em que por força da derrota do socialismo na Europa de Leste e na URSS nos anos 89/91, o imperialismo se encontra numa contra-ofensiva de recolonização e de promoção da regressão social mundial. Há um retrocesso generalizado dos direitos e conquistas. E condições de trabalho penosas, algumas semelhantes às do século XIX são impostas de novo aos trabalhadores.

Mas nem só os capitalistas retiram conclusões das experiências do século XX. Há povos que resistem às agressões, outros que se reorganizam, acumulam forças e estabelecem alianças para enfrentar as forças do retrocesso civilizacional.

Às forças do trabalho revolucionárias e progressistas cabe-lhes também a reorganização, o reforço e a acção, tendo presente que os ideais e objectivos do socialismo como futuro para a humanidade continuam válidos.

Lenine e os seus companheiros tiveram como base de partida a ideologia de Marx e Engels e a experiência dos 72 dias da Comuna de Paris e puseram-nas em prática. Hoje temos como base a experiência mais alargada de 74 anos que se fez sentir no mundo inteiro e os desenvolvimentos teóricos acrescentados por Lenine e outros revolucionários.

O exemplo da Grande Revolução de Outubro de 1917 demonstra que a vitória dos explorados e dos povos é possível mesmo em condições extremamente desfavoráveis à sua luta.

Viva a Revolução de Outubro de 1917!

Viva o socialismo!