centenario | Estratégia e táctica na luta pelo socialismo

Intervenção de Albano Nunes

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Intervenção de Albano Nunes

Tendo como base os princípios do socialismo científico elaborados por Marx e Engels, os contornos fundamentais da linha estratégica e táctica do PCP na luta pelos seus objectivos supremos, o socialismo e o comunismo, são em primeiro lugar produto da sua análise da sociedade portuguesa e da sua própria experiência no terreno da luta de classes em Portugal. A expressão “ partido leninista definido com experiência própria” que frequentemente usamos para caracterizar o nosso Partido – e que o camarada Álvaro Cunhal sublinha em “O Partido com paredes de vidro” - traduz esta realidade de que muito nos orgulhamos.

Simultâneamente, como partido internacionalista que é, o PCP reconhece e valoriza a influência e a aprendizagem crítica com outras experiências do movimento comunista e revolucionário internacional, a começar pela Revolução de Outubro, o Partido Bolchevique  e Lénine, o genial dirigente da primeira revolução socialista vitoriosa.

Lénine, com base no estudo da fase imperialista do capitalismo e do processo da revolução russa, legou-nos uma obra de extraordinário valor no plano da teoria e da prática revolucionária, nomeadamente em questões como: a nova época da passagem do capitalismo ao socialismo que a revolução de Outubro inaugurou; a questão do Estado e a revolução; a teoria da luta pela conquista do poder pelo proletariado; o partido proletário de novo tipo; o universal e o particular na luta pelo socialismo e a diversidade dos caminhos da revolução; etapas da revolução, diferenças e aproximação das etapas democrática e socialista, teoria da revolução ininterrupta; papel da classe operária e a sua política de alianças; o combate ao oportunismo de direita e de “esquerda” no movimento operário e no partido; as bases da construção da nova sociedade.

Impossível em poucas palavras resumir a riquíssima contribuição de Lénine para a estratégia e tática da luta pelo socialismo; mas as vertentes referidas não podem ser esquecidas pois elas estão presentes na linha teórica, política e organizativa do PCP e, podemos dizê-lo com segurança, têm sido confirmadas na acção do Partido e no processo da revolução portuguesa.

Cem anos depois da Revolução de Outubro e sem ignorar as profundas transformações entretanto verificadas no mundo e no movimento comunista e revolucionário, é obrigatório sublinhar a perenidade e a actualidade da genial obra de Lénine. As frequentes citações de Lénine em textos do Partido traduzem isso mesmo. No PCP a citação dos clássicos não é utilizada como resposta a novos problemas e em substituição da análise das novas realidades, mas para dar mais força a essa análise. A obra de Álvaro Cunhal “O Estado questão central de cada revolução”, em que é examinada a questão do poder na revolução anti-fascista portuguesa é disso um bom exemplo.

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Feita esta introdução, proponho-me abordar a posição do PCP em relação a  questões fundamentais que tẽm percorrido a história do movimento comunista e revolucionário internacional, algumas das quais reganharam actualidade na complexa situação internacional actual, uma situação em que o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo e a manifesta exigência da sua superação revolucionária, coexiste com um reconhecido atraso das forças revolucionárias. Uma situação em que, perante a probabilidade de uma dura e prolongada fase de resistência e de acumulação de forças – não obstante grandes perigos de regressão cilizacional coexistirem com grandes potencialidades de desenvolvimentos progressistas e revolucionários - se desenvolvem tendências oportunistas de direita de desistência e de adaptação ao sistema, por um lado, e por outro, manifestações de impaciência e de fuga para diante, queimando étapas e apontando  a tomada do poder pela classe operária como tarefa universal imediata, sem a devida consideração da situação concreta em que os diferentes partidos comunistas actuam.

Sete questões merecem particular atenção.

1. O objectivo supremo e a razão de ser do partido comunista é o socialismo e o comunismo. Independentemente da fase e etapa de luta a perspectiva do socialismo tem de estar sempre presente na acção cotodiana dos comunistas. A estratégia não pode jamais ser preterida por razões tácticas. Se isso acontecer é inevitável resvalar para o reformismo e o conformismo com o estado de coisas existente. Pelo contrário, insistir apenas no objectivo final desprezando os objectivos imediatos, conduz ao verbalismo esquerdista inconsequente. O processo da Revolução portuguesa, antes e depois do 25 de Abril, fornece exemplos bem ilucidativos.

2. O Partido de vanguarda da classe operária, não é um fim em si mas o instrumento necessário à realização da missão histórica da classe operária e ao processo de transformação social cujo protagonismo pertence às massas populares. Papel de vanguarda que não é mera proclamação mas conquista da prática e  que em Portugal se configurou no PCP na sequência da reorganização de 1940//41 e das grandes greves do início da década de quarenta, e cujo enraizamento nas massas beneficiou com a aplicação, a partir do III e IV Congressos, das orientações do VII Congresso da Internacional Comunista cujo papel histórico valorizamos.

3. A étapa da revolução cuja determinação não é uma simples questão de vontade nem uma decisão arbitrária, mas o resultado do estudo das características socio-económicas e do sistema político de cada país. Assim é no caso do PCP como testemunham com grande poder de convencimento o “Rumo à Vitória” e o programa da Revolução Democrática e Nacional aprovado no VI Congresso. O processo da Revolução russa (transformação da revolução democrática burguesa de Fevereiro na Revolução socialista de Outubro) como o processo da Revolução de Abril em Portugal mostram que a revolução não se desenvolve em linha reta e directamente dirigida à conquista do poder pelos trabalhadores. Desenvolve-se por etapas, mais ou menos nítidas, mais ou menos ligadas entre si, sendo que na época do imperialismo em que vivemos se verifica a aproximação e mesmo entrelaçamento da etapa democrática (nacional-libertadora ou outra) com a étapa socialista, sendo possível transformar uma na outra na condição da hegemonia da classe operária. A democracia avançada que o PCP preconiza no seu Programa é parte integrante e inseparável da luta pelo socialismo.

4. A relação entre Democracia e Socialismo é uma questão de grande importância teórica e prática em relação à qual o PCP tem uma posição muito firme, alicerçada na própria experiência de longos anos de combate, nomeadamente sob o fascismo, e a que a seu tempo Lénine deu uma resposta particularmente contundente, tanto aqueles que perfilhando um conceito de democracia sem conteúdo de classe abandonavam o objectivo do socialismo  e se colocaram abertamente contra o poder bolchevique, como para com a impaciência daqueles que, querendo ir em linha reta em direcção ao socialismo e reduzindo as contradições sociais apenas ao binómio burguesia/proletariado, poder burguês/poder proletário, contrapunham democracia e socialismo. “Seria um erro capital – escreveu Lénine - acreditar que a luta pela democracia é susceptível de desviar o proletariado da revolução socialista, ou de eclipsar esta, de a esbater, etc. Pelo contrário, do mesmo modo que é impossível conceber um socialismo vitorioso que não realizasse a democracia integral, do mesmo modo o proletariado não se pode preparar para a vitória sobre a burguesia se não trava uma luta geral, sistemática e revolucionária pela democracia”.

5. Uma acertada política de alianças, sociais (da classe operária) e políticas (do Partido), em correspondência com as diferentes etapes, fases e mesmo objectivos limitados de luta é fundamental para o avanço da luta. Alianças que poderão ser mais ou menos estáveis ou transitórias, mas sempre determinadas pelos interesses dos trabalhadores, tendo por princípio absolutamente inquestionável a independência política, ideológica e organizativa da classe operária e do seu partido, e em que, de modo algum, acordos e convergências de carácter tático podem estar em contradição com as alianças sociais básicas da classe operária – campesinato e intelectuais e outras camadas intermédias - correspondentes à etapa actual da revolução e definidas no Programa do Partido “Uma democracia avançada, os valores de Abril no futuro de Portugal”. Alianças que para serem consequentes, como a experiência portuguesa mostra, têm de ter como base a unidade da classe operária, sendo que a classe operária não está em condições, por si só, de empreender as transformações políticas e económico-sociais correspondentes às diferentes etapas da revolução. E é uma evidência que, em correspondência com a natureza de classe do poder, as alianças para a democracia avançada e para a revolução socialista poderão não coincidir.

Só por insegurança ou infantilismo sectário se podem negar alianças, mesmo pontuais e conjunturais. Lénine foi particularmente caustico para aqueles que em nome da “pureza revolucionária” as recusavam: “negar os compromissos 'por princípio', negar a admissibilidade dos compromissos em geral, quaisquer que sejam, é uma criancice que até é difícil de levar a sério”.

6. A luta popular de massas como motor da revolução é uma tese central amplamente comprovada pela Revolução de Outubro como pela Revolução portuguesa. Nunca é demais recordar que, se foram os capitães de Abril que vibraram a machadada de morte no fascismo foi o levantamento popular que se lhe seguiu (e de que o gigantesco 1º de Maio de 1974 é expressão) que o transformou em revolução. A capacidade para utilizar e combinar as diferentes formas de luta  - legais, semilegais e ilegais, pacíficas ou armadas, de massas ou eleitorais e institucionais – tem sido um mérito do PCP que, em qualquer caso, sempre considerou a luta nas empresas e locais de trabalho e a luta popular de massas como a forma determinante de luta.  Como mostram os empreendimentos de construção do socialismo, a “questão das questões”, como lhe chamou Álvaro Cunhal, é a intervenção consciente e criadora das massas no processo de conquista, defesa e construção do poder dos trabalhadores. Foi essa intervenção massiva, entusiástica e criadora que assegurou a vitória de Outubro e as históricas conquistas do povo soviético. O seu enfraquecimento e deterioração revelou-se fatal para a União Soviética.

7. Por fim, neste mundo globalizado, em que os fenómenos de internacionalização e socialização não cessam de crescer e em que, com agudas contradições embora, o grande capital articula estreitamente a sua acção contra os trabalhadores e contra os povos, o internacionalismo, cujo núcleo continua a ter uma natureza de classe – o internacionalismo proletário - amplia-se a todas as forças revolucionárias e anti-imperialistas. O necessário fortalecimento da cooperação dos comunistas não só não contradiz como é indispensável para o fortalecimento da ampla frente anti-imperialista capaz de derrotar a estratégia exploradora e agressiva do imperialismo.

Camaradas e amigos:

Não sendo as únicas, estas são questões em que o Partido tem uma posição muito consolidada e comprovada pela prática colectiva de muitos anos de luta. Questões que são particularmente relevantes quando comemoramos o Centenário da Revolução de Outubro, não como uma bela e exaltante peça de museu mas como algo cujo significado histórico, experiências e realizações se projectam na actualidade como factores de inspiração e confiança para uma luta que continua.